Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
memória, agora se mostrava para ele em detalhes<br />
vivi<strong>do</strong>s, quase alucinatórios. Uma incontrolável<br />
reminiscência emergiu e o assoberbou — ele ”via”<br />
continuamente o assassinato, cometia-o vezes sem<br />
conta. Seria isso <strong>um</strong> pesadelo, seria loucura ou haveria<br />
agora <strong>um</strong>a ”hipermn<strong>é</strong>sia” — a irrupção de lembranças<br />
genuínas, verídicas, aterra<strong>do</strong>ramente intensificadas?<br />
Ele foi interroga<strong>do</strong> minuciosamente, toman<strong>do</strong>-se o<br />
maior cuida<strong>do</strong> para evitar qual<strong>que</strong>r alusão ou sugestão<br />
— e bem depressa<br />
182<br />
ficou claro <strong>que</strong> o <strong>que</strong> ele estava apresentan<strong>do</strong> era <strong>um</strong>a<br />
”reminiscência” genuína, ainda <strong>que</strong> incontrolável. Ele<br />
agora conhecia o assassinato nos mínimos detalhes:<br />
to<strong>do</strong>s os detalhes revela<strong>do</strong>s pelo inqu<strong>é</strong>rito, mas não no<br />
julgamento público — ou a ele.<br />
Tu<strong>do</strong> o <strong>que</strong> anteriormente fora, ou parecera ter si<strong>do</strong><br />
perdi<strong>do</strong> ou es<strong>que</strong>ci<strong>do</strong>, a despeito da hipnose e da<br />
injeção de amital, estava agora recupera<strong>do</strong> e<br />
recuperável. E mais: estava incontrolável e, pior ainda,<br />
totalmente insuportável. Por duas vezes ele tentou<br />
suicidar-se na unidade neurocirúrgica, sen<strong>do</strong><br />
necessário dar-lhe tranqüilizantes fortes e reprimi-lo à<br />
força.<br />
O <strong>que</strong> acontecera com Donald — o <strong>que</strong> estava<br />
acontecen<strong>do</strong> com ele? O caráter verídico da<br />
reminiscência excluía a possibilidade de aquilo ser <strong>um</strong>a<br />
irrupção súbita de fantasias psicóticas — e, mesmo <strong>que</strong><br />
fosse inteiramente <strong>um</strong>a fantasia psicótica, por <strong>que</strong> ela<br />
ocorreria na<strong>que</strong>le momento, de mo<strong>do</strong> tão súbito, sem<br />
precedentes, junto com a lesão na cabeça? Havia <strong>um</strong>a<br />
carga psicótica, ou quase psicótica, nas lembranças —<br />
elas apresentavam, no jargão psiquiátrico, catexia<br />
intensa ou excessiva —, a ponto de impelir Donald a<br />
id<strong>é</strong>ias incessantes de suicídio. Mas o <strong>que</strong> seria <strong>um</strong>a<br />
catexia normal para <strong>um</strong>a lembrança como a<strong>que</strong>la — a<br />
repentina emergência, sain<strong>do</strong> de <strong>um</strong>a amn<strong>é</strong>sia total,<br />
não de alg<strong>um</strong> obscuro conflito ou culpa edipiano, mas