Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
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se abriram, como já mencionei, quan<strong>do</strong> vi nas ruas de<br />
Nova York nada menos <strong>do</strong> <strong>que</strong> três<br />
140<br />
pessoas com a síndrome — todas tão características<br />
quanto Ray, embora mais espalhafatosas. Foi <strong>um</strong> dia de<br />
visões para olhos de <strong>neurologista</strong>. Em rápidas vinhetas<br />
presenciei o <strong>que</strong> podia significar ter a síndrome de<br />
Tourette em seu grau mais grave, não apenas os ti<strong>que</strong>s<br />
e convulsões de movimento, mas ti<strong>que</strong>s e convulsões<br />
de percepção, imaginação, paixões — de toda a<br />
personalidade.<br />
O próprio Ray havia mostra<strong>do</strong> o <strong>que</strong> podia acontecer<br />
na rua. Mas não basta algu<strong>é</strong>m descrever. É preciso ver<br />
pessoalmente. E a clínica m<strong>é</strong>dica ou o hospital nem<br />
sempre são o melhor lugar para observar a <strong>do</strong>ença —<br />
pelo menos não para observar <strong>um</strong> distúrbio <strong>que</strong>, apesar<br />
de ter origem orgânica, expressa-se em impulsos,<br />
imitações, personificações, reações, interações levadas<br />
a <strong>um</strong> grau extremo e quase inacreditável. A clínica, o<br />
laboratório, a enfermaria destinam-se, to<strong>do</strong>s, a<br />
restringir e concentrar o comportamento, quan<strong>do</strong> não<br />
verdadeiramente excluí-lo por completo. Existem para<br />
<strong>um</strong>a neurologia sistemática e científica, reduzida a<br />
testes e tarefas fixos, e não para <strong>um</strong>a neurologia<br />
aberta, naturalista. Pois esta precisa ver o paciente agir<br />
naturalmente, sem perceber <strong>que</strong> o observam, no mun<strong>do</strong><br />
real, totalmente entregue aos estímulos e influências<br />
de cada impulso, e o próprio observa<strong>do</strong>r precisa não<br />
estar sen<strong>do</strong> observa<strong>do</strong>. O <strong>que</strong> poderia ser melhor, para<br />
esse propósito, <strong>do</strong> <strong>que</strong> <strong>um</strong>a rua de Nova York — <strong>um</strong>a<br />
rua pública e anônima de cidade grande —, onde o<br />
porta<strong>do</strong>r de distúrbios extravagantes, impulsivos, pode<br />
desfrutar e exibir plenamente a monstruosa liberdade,<br />
ou cativeiro, de seu mal?<br />
A ”neurologia das ruas”, de fato, possui<br />
antecedentes respeitáveis. James Parkinson, andarilho<br />
das ruas londrinas tão invetera<strong>do</strong> quanto Charles<br />
Dickens viria a ser quarenta anos mais tarde, delineou