Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
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shattered world”] — comparáveis e, de certo mo<strong>do</strong>,<br />
ainda mais terríveis, pois Luria descreve pacientes <strong>que</strong><br />
não percebem <strong>que</strong> alg<strong>um</strong>a coisa lhes sucedeu,<br />
pacientes <strong>que</strong> perderam sua própria realidade sem o<br />
saber, pacientes <strong>que</strong> podem não sofrer, mas são os<br />
mais desampara<strong>do</strong>s de to<strong>do</strong>s. Zazetsky (em The man<br />
with a shattered world) <strong>é</strong> constantemente descrito<br />
como <strong>um</strong> luta<strong>do</strong>r, sempre (e mesmo ardentemente)<br />
cônscio de seu esta<strong>do</strong> e sempre lutan<strong>do</strong> ”com a<br />
tenacidade <strong>do</strong>s condena<strong>do</strong>s” para recobrar o uso de seu<br />
c<strong>é</strong>rebro danifica<strong>do</strong>. Mas William (como os pacientes de<br />
Luria com síndrome <strong>do</strong> lobo frontal—ver capítulo<br />
seguinte) está tão condena<strong>do</strong> <strong>que</strong> nem mesmo sabe<br />
estar condena<strong>do</strong>, pois não <strong>é</strong> apenas <strong>um</strong>a faculdade, ou<br />
alg<strong>um</strong>as faculdades <strong>que</strong> foram danificadas, mas a<br />
própria cidadela, o eu, a própria alma. Nesse senti<strong>do</strong>,<br />
William está muito mais ”perdi<strong>do</strong>” <strong>do</strong> <strong>que</strong> Jimmie,<br />
apesar de toda a sua vivacidade; nunca sentimos, ou<br />
raramente sentimos, <strong>que</strong> resta ali <strong>um</strong>a pessoa, ao<br />
passo <strong>que</strong> em Jimmie existe claramente <strong>um</strong> ser real,<br />
moral, mesmo <strong>que</strong> desconecta<strong>do</strong> a maior parte <strong>do</strong><br />
tempo. Em Jimmie, pelo menos, conectar-se novamente<br />
<strong>é</strong> possível — o desafio terapêutico pode ser sintetiza<strong>do</strong><br />
por ”Apenas conecte”.<br />
134<br />
To<strong>do</strong>s os nossos esforços para ”conectar” William<br />
novamente são em vão — e at<strong>é</strong> mesmo intensificam seu<br />
ímpeto de fabular. Mas quan<strong>do</strong> nos abstemos desses<br />
esforços e o deixamos à vontade, ele às vezes<br />
perambula pelo jardim tranqüilo <strong>que</strong> circunda nossa<br />
instituição, e ali, onde nada lhe <strong>é</strong> exigi<strong>do</strong>, no silêncio,<br />
ele recobra seu próprio silêncio. A presença de outros,<br />
de outras pessoas, deixa-o excita<strong>do</strong> e agita<strong>do</strong>, força-o a<br />
<strong>um</strong> palavrório social incessante, fren<strong>é</strong>tico, <strong>um</strong><br />
verdadeiro delírio de fabricação e busca de identidade;<br />
a presença de plantas, <strong>um</strong> jardim silencioso, a ordem<br />
não h<strong>um</strong>ana, <strong>que</strong> não impõe a ele exigências h<strong>um</strong>anas,<br />
permite <strong>que</strong> relaxe, <strong>que</strong> se aquiete o delírio de