Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
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comoventes angústias da infância, o desprezo, a<br />
zombaria, as mortificações <strong>que</strong> sofreram, mas tu<strong>do</strong><br />
recita<strong>do</strong> em <strong>um</strong> tom uniforme, invariável, sem o menor<br />
indício de inflexão pessoal ou emoção. Aqui,<br />
claramente, trata-se de lembranças <strong>que</strong> parecem ser de<br />
<strong>um</strong> tipo ”<strong>do</strong>c<strong>um</strong>ental”, nas quais não existem<br />
referências pessoais, relações pessoais, absolutamente<br />
nenh<strong>um</strong> centro vivo.<br />
Poderíamos afirmar <strong>que</strong> o envolvimento pessoal, a<br />
emoção, foram apaga<strong>do</strong>s dessas lembranças, no mo<strong>do</strong><br />
defensivo <strong>que</strong> podemos observar em tipos obsessivos<br />
ou esquizóides (e os gêmeos sem dúvida devem ser<br />
considera<strong>do</strong>s obsessivos e esquizóides). Mas<br />
poderíamos afirmar, igualmente, e na verdade com<br />
mais plausibilidade, <strong>que</strong> lembranças desse tipo nunca<br />
tiveram <strong>um</strong> caráter pessoal,<br />
219<br />
pois isso <strong>é</strong>, de fato, <strong>um</strong>a característica fundamental de<br />
<strong>um</strong>a memória eid<strong>é</strong>tica como a deles.<br />
Mas o <strong>que</strong> precisa ser ressalta<strong>do</strong> — e <strong>que</strong> <strong>é</strong><br />
insuficientemente salienta<strong>do</strong> por <strong>que</strong>m os estu<strong>do</strong>u,<br />
embora perfeitamente óbvio para <strong>um</strong> ouvinte ingênuo<br />
disposto a se maravilhar — <strong>é</strong> a magnitude da memória<br />
<strong>do</strong>s gêmeos, sua extensão aparentemente ilimitada<br />
(ainda <strong>que</strong> infantil e banal) e, com ela, o mo<strong>do</strong> como as<br />
lembranças são recuperadas. E se lhes perguntamos<br />
como <strong>é</strong> <strong>que</strong> conseguem reter tanto na mente — <strong>um</strong><br />
número com trezentos dígitos ou os trilhões de eventos<br />
de quatro d<strong>é</strong>cadas—eles dizem, simplesmente: ”Nós<br />
vemos tu<strong>do</strong> isso”. E ”ver” — ”visualizar” — com<br />
extraordinária intensidade, alcance ilimita<strong>do</strong> e perfeita<br />
fidelidade, parece ser a chave de tu<strong>do</strong>. Parece ser <strong>um</strong>a<br />
capacidade fisiológica inata de suas mentes, de <strong>um</strong><br />
mo<strong>do</strong> <strong>que</strong> guarda certas analogias com a maneira como<br />
o famoso paciente de A. R. Luria, descrito em The<br />
min<strong>do</strong>fa mnemonist, ”via”, embora talvez aos gêmeos<br />
falte a rica sinestesia e organização consciente das<br />
lembranças <strong>do</strong> mnemonista. Mas não resta dúvida, pelo