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Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa

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quase sempre <strong>é</strong> senti<strong>do</strong> como <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie de<br />

compensação: ”Pelo menos vivi plenamente,<br />

aproveitan<strong>do</strong> a vida ao máximo antes de sofrer o dano<br />

cerebral, o ata<strong>que</strong> etc.”. Esse senso da ”vida já vivida”,<br />

<strong>que</strong> pode ser tanto <strong>um</strong>a consolação como <strong>um</strong> tormento,<br />

<strong>é</strong> precisamente o <strong>que</strong> <strong>é</strong> tira<strong>do</strong> da pessoa na amn<strong>é</strong>sia<br />

retrógrada. A ”amn<strong>é</strong>sia final, a <strong>que</strong> pode apagar toda<br />

<strong>um</strong>a vida”, de <strong>que</strong> fala Buñuel, pode ocorrer, talvez, em<br />

<strong>um</strong>a demência terminal, mas, pela minha experiência,<br />

não subitamente, em conseqüência de <strong>um</strong> ata<strong>que</strong>. Mas<br />

existe <strong>um</strong> tipo de amn<strong>é</strong>sia diferente, por<strong>é</strong>m<br />

comparável, <strong>que</strong> pode ocorrer de maneira súbita —<br />

diferente por não ser ”global”, mas ”de modalidade<br />

específica”.<br />

Por exemplo, em <strong>um</strong> paciente sob meus cuida<strong>do</strong>s,<br />

<strong>um</strong>a trombose repentina na circulação posterior <strong>do</strong><br />

c<strong>é</strong>rebro causou a morte imediata das partes visuais <strong>do</strong><br />

c<strong>é</strong>rebro. Dali por diante, esse paciente tornou-se<br />

totalmente cego, por<strong>é</strong>m sem o saber. Ele parecia cego,<br />

mas não se <strong>que</strong>ixava. Perguntas e exames mostraram,<br />

sem sombra de dúvida, <strong>que</strong> não só ele estava central ou<br />

”corticalmente” cego, mas<br />

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tamb<strong>é</strong>m <strong>que</strong> perdera todas as suas imagens e<br />

memórias visuais, <strong>que</strong> as perdera totalmente, embora<br />

não tivesse id<strong>é</strong>ia de perda alg<strong>um</strong>a. De fato, ele perdera<br />

a própria id<strong>é</strong>ia de visão e não só era incapaz de<br />

descrever algo visualmente, como, tamb<strong>é</strong>m ficava<br />

confuso quan<strong>do</strong> eu usava palavras como ”enxergar” e<br />

”luz”. Em essência, ele se tornara <strong>um</strong> ser não visual.<br />

To<strong>do</strong> seu tempo de vida como pessoa <strong>que</strong> enxergava,<br />

seu tempo de visualidade, fora efetivamente rouba<strong>do</strong>.<br />

De fato, toda a sua vida visual fora apagada — e<br />

apagada permanentemente — no instante <strong>do</strong> ata<strong>que</strong>.<br />

Essa amn<strong>é</strong>sia visual e (por assim dizer) cegueira para a<br />

cegueira, amn<strong>é</strong>sia para a amn<strong>é</strong>sia, constitui<br />

efetivamente <strong>um</strong>a síndrome de Korsakov ”total”<br />

restrita à visualidade. Uma amn<strong>é</strong>sia ainda mais

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