Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
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Quan<strong>do</strong> o vi pela primeira vez, sugeri <strong>que</strong> ele tivesse<br />
<strong>um</strong> diário e fosse incentiva<strong>do</strong> a fazer anotações diárias<br />
de suas experiências, sentimentos, pensamentos,<br />
lembranças, reflexões. Essas tentativas foram<br />
frustradas, de início, por<strong>que</strong> ele perdia sempre o diário;<br />
era preciso fixá-lo nele de alg<strong>um</strong>a forma. Isto, por<strong>é</strong>m,<br />
tamb<strong>é</strong>m não funcionou; ele obedientemente anotava<br />
to<strong>do</strong>s os dias em <strong>um</strong> caderno, mas não conseguia<br />
reconhecer o <strong>que</strong> escrevera ali. Ele reconhece sua<br />
caligrafia e estilo e sempre se espanta ao descobrir <strong>que</strong><br />
escreveu algo no dia anterior.<br />
Espanta-se — e fica indiferente — pois ele <strong>é</strong> <strong>um</strong><br />
homem <strong>que</strong>, efetivamente, não tem ”ontem”. As<br />
anotações permaneciam sem ligação com o passa<strong>do</strong> e<br />
sem possibilidade de ligação com o futuro, sem o poder<br />
de proporcionar <strong>um</strong> senso de tempo ou continuidade.<br />
Al<strong>é</strong>m disso, eram triviais — ”Ovos no caf<strong>é</strong> da manhã”,<br />
”Assisti ao jogo na TV” — e nunca atingiam seu íntimo.<br />
Mas haveria <strong>um</strong> íntimo na<strong>que</strong>le homem desmemoria<strong>do</strong>,<br />
<strong>um</strong> íntimo de sentimento e pensamento dura<strong>do</strong>uros, ou<br />
teria ele si<strong>do</strong> reduzi<strong>do</strong> a <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie de parvo<br />
h<strong>um</strong>eano, a mera sucessão de impressões e eventos<br />
desconexos? Jimmie, ao mesmo tempo, estava e não<br />
estava consciente dessa perda imensa e trágica em si<br />
mesmo, perda de si mesmo. (Quan<strong>do</strong> <strong>um</strong> homem perde<br />
<strong>um</strong>a perna ou <strong>um</strong> olho, sabe <strong>que</strong> perdeu a perna ou o<br />
olho; mas se ele perdeu o eu - se perdeu a si mesmo -<br />
não <strong>é</strong> capaz de saber disso, pois já não está mais ali<br />
para sabê-lo.) Por esse motivo, eu não podia <strong>que</strong>stionálo<br />
intelectualmente com respeito a esses assuntos. De<br />
início, ele demonstrara perplexidade por ver-se em<br />
meio a pacientes quan<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> afirmava, não se<br />
sentia <strong>do</strong>ente. Mas pensávamos: como ele se sentia?<br />
Ele era forte e sadio, tinha <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie de força e<br />
energia animal, mas tamb<strong>é</strong>m <strong>um</strong>a estranha in<strong>é</strong>rcia,<br />
passividade e (como to<strong>do</strong>s notavam)<br />
”despreocupação”; dava a to<strong>do</strong>s nós <strong>um</strong>a acentuada<br />
impressão de ”faltar alg<strong>um</strong>a coisa”, embora isso, e <strong>que</strong>