19.04.2013 Views

Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa

Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa

Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

esperto <strong>do</strong> <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r adversário nos jogos. Quan<strong>do</strong><br />

descobriu isso, ele voltou a mostrar-se irritadiço e<br />

inquieto, perambulan<strong>do</strong> pelos corre<strong>do</strong>res, incomoda<strong>do</strong><br />

e entedia<strong>do</strong>, com <strong>um</strong> sentimento de indignação —jogos<br />

e <strong>que</strong>bra-cabeças eram para crianças, <strong>um</strong>a diversão.<br />

Evidentemente, ele ansiava por alg<strong>um</strong>a coisa para<br />

fazer: <strong>que</strong>ria fazer, ser, sentir — e não podia; <strong>que</strong>ria<br />

senti<strong>do</strong>, <strong>que</strong>ria propósito — nas palavras de Freud,<br />

“amor e trabalho”.<br />

Ele seria capaz de fazer <strong>um</strong> ”trabalho com<strong>um</strong>”?<br />

Quan<strong>do</strong> parou de trabalhar, em 1965, ele ”se<br />

descontrolou”, comentara seu irmão. Jimmie era muito<br />

habili<strong>do</strong>so em duas coisas: código morse e datilografia.<br />

Para o morse não tínhamos aplicação, a não ser <strong>que</strong><br />

inventássemos <strong>um</strong>a; mas <strong>um</strong> bom datilografo seria útil,<br />

se ele conseguisse recuperar sua habilidade de outrora<br />

— e seria <strong>um</strong> trabalho de verdade<br />

53<br />

não apenas <strong>um</strong> jogo. Jimmie de fato recobrou logo sua<br />

perícia e com o tempo se tornou <strong>um</strong> datilografo muito<br />

veloz — não era capaz de escrever devagar -,<br />

encontran<strong>do</strong> nisso <strong>um</strong> pouco <strong>do</strong> desafio e satisfação de<br />

<strong>um</strong> trabalho. Por<strong>é</strong>m, mesmo este era só <strong>um</strong>a <strong>que</strong>stão<br />

de to<strong>que</strong>s e caracteres; era superficial, trivial, não<br />

atingia seu íntimo. E, o <strong>que</strong> ele datilografava, fazia-o<br />

mecanicamente — não conseguia reter a id<strong>é</strong>ia -, com as<br />

sentenças breves suceden<strong>do</strong> <strong>um</strong>as às outras em <strong>um</strong>a<br />

ordem sem significa<strong>do</strong>.<br />

A tendência era, instintivamente, falarmos dele como<br />

<strong>um</strong>a perda espiritual — <strong>um</strong>a ”alma perdida”; seria<br />

possível <strong>que</strong> sua alma realmente houvesse si<strong>do</strong><br />

”destruída” por <strong>um</strong>a <strong>do</strong>ença? ”Acham <strong>que</strong> ele tem<br />

alma?”, perguntei certa vez às irmãs. Elas ficaram<br />

indignadas com a pergunta, mas entenderam por <strong>que</strong><br />

eu a fizera. ”Observe Jimmie na capela e tire suas<br />

conclusões”, disseram.<br />

Segui a sugestão e fi<strong>que</strong>i comovi<strong>do</strong>, profundamente<br />

comovi<strong>do</strong> e impressiona<strong>do</strong>, pois vi ali <strong>um</strong>a intensidade

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!