Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
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durante quatro anos secretamente receou estar louca.<br />
Ficou muito aliviada quan<strong>do</strong> soube pela irmã <strong>que</strong><br />
existira <strong>um</strong> caso semelhante na instituição alg<strong>um</strong><br />
tempo atrás, e quan<strong>do</strong> pôde abrir-se comigo.<br />
Certo dia, na cozinha, relatou a sra. O’M., enquanto<br />
ela ralava pastinaga, <strong>um</strong>a raiz comestível, começou a<br />
tocar <strong>um</strong>a música. Era ”Easter parade”; vieram em<br />
seguida, em rápida sucessão, ”Glory, glory, Hallelujah”<br />
e ”Good night, sweet Jesus”. Assim como a sra. O’C.,<br />
ela supôs <strong>que</strong> alg<strong>um</strong> rádio estava liga<strong>do</strong>, mas logo<br />
descobriu <strong>que</strong> to<strong>do</strong>s os rádios estavam desliga<strong>do</strong>s. Isso<br />
fora em 1979, quatro anos antes. A sra. O’C. recuperouse<br />
em poucas semanas, mas para a sra. O’M. a música<br />
prosseguiu, e cada vez pior.<br />
A princípio, ela ouvia apenas essas três músicas — às<br />
vezes espontaneamente, de súbito, mas com certeza<br />
sempre <strong>que</strong> por acaso pensasse em alg<strong>um</strong>a delas. Por<br />
isso, evitava pensar nelas, mas tentar não pensar<br />
provocava-as <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>.<br />
”A senhora gosta dessas músicas específicas?”,<br />
perguntei, como faria <strong>um</strong> psiquiatra. ”Elas têm alg<strong>um</strong>a<br />
importância especial para a senhora”?<br />
”Não”, ela respondeu de imediato. ”Nunca as<br />
apreciei particularmente, e não acho <strong>que</strong> tenham alg<strong>um</strong><br />
significa<strong>do</strong> especial para mim”.<br />
”E como se sentiu quan<strong>do</strong> elas não pararam de<br />
tocar?”<br />
”Passei a detestá-las”, ela replicou com veemência.<br />
”Era como se alg<strong>um</strong> vizinho maluco ficasse tocan<strong>do</strong> o<br />
mesmo disco sem parar”.<br />
Durante <strong>um</strong> ano ou mais, houve apenas essas<br />
músicas, em sucessão enlou<strong>que</strong>ce<strong>do</strong>ra. Depois — e,<br />
embora de certo mo<strong>do</strong> isso tenha si<strong>do</strong> pior, foi tamb<strong>é</strong>m<br />
<strong>um</strong> alívio — a música interior tornou-se mais complexa<br />
e variada. Ela passou a ouvir inúmeras canções — às<br />
vezes, várias ao mesmo tempo; outras vezes ouvia <strong>um</strong>a<br />
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or<strong>que</strong>stra ou <strong>um</strong> coro e, ocasionalmente, vozes ou só