Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
fisiológico; mas para mim <strong>é</strong> difícil não pensar <strong>que</strong>, se<br />
fosse para ter ata<strong>que</strong>s, esse homem, o caso 2770, dava<br />
<strong>um</strong> jeito de ter os ata<strong>que</strong>s certos na hora certa.<br />
No caso da sra. O’C., a necessidade nostálgica era<br />
mais crônica e profunda, pois seu pai morrera antes de<br />
ela nascer, e ela perdera<br />
162<br />
a mãe antes de completar cinco anos. Órfã, sozinha,<br />
fora mandada para os Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, para morar com<br />
<strong>um</strong>a tia solteira muito severa. A sra. O’C. não tinha<br />
lembranças conscientes <strong>do</strong>s primeiros cinco anos de<br />
sua vida — nenh<strong>um</strong>a recordação da mãe, da Irlanda, <strong>do</strong><br />
”lar”. Para ela isso sempre fora motivo de imensa e<br />
<strong>do</strong>lorosa tristeza — essa ausência, ou es<strong>que</strong>cimento,<br />
<strong>do</strong>s primeiros, <strong>do</strong>s mais preciosos anos de sua vida.<br />
Muitas vezes ela tentara, sempre em vão, recapturar as<br />
lembranças de sua infância perdida e es<strong>que</strong>cida. Agora,<br />
como sonho e o longo ”esta<strong>do</strong> onírico” <strong>que</strong> o sucedeu,<br />
ela recapturou <strong>um</strong> sentimento crucial de sua infância<br />
es<strong>que</strong>cida, perdida. O sentimento <strong>que</strong> lhe vinha não era<br />
apenas ”prazer ictal”, mas <strong>um</strong>a alegria vibrante,<br />
intensa e tocante. Era, em suas palavras, como se <strong>um</strong>a<br />
porta se abrisse — <strong>um</strong>a porta <strong>que</strong> ficara<br />
obstinadamente fechada toda a sua vida.<br />
Em seu belo <strong>livro</strong> sobre ”recordações involuntárias”<br />
(A collection of moments, 1970), Esther Salaman fala<br />
sobre a necessidade de preservar, ou recuperar ”as<br />
lembranças sagradas e preciosas da infância”, e sobre<br />
como a vida <strong>é</strong> pobre, sem alicerces na ausência dessas<br />
recordações. Ela menciona a imensa alegria, o senso de<br />
realidade <strong>que</strong> recuperar essas lembranças pode trazer,<br />
e fornece <strong>um</strong>a profusão de maravilhosas citações<br />
autobiográficas, especialmente de Dostoievski e Proust.<br />
To<strong>do</strong>s nós somos ”exila<strong>do</strong>s de nosso passa<strong>do</strong>”, escreve<br />
essa autora, e por isso precisamos recuperá-lo. Para a<br />
sra. O’C., <strong>que</strong> beirava os noventa anos e o fim de <strong>um</strong>a<br />
longa vida solitária, essa recaptura de lembranças<br />
”sagradas e preciosas” da infância, essa estranha e