Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
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e ficções de to<strong>do</strong> tipo. Para ele não eram ficções, mas o<br />
mo<strong>do</strong> como ele subitamente via, ou interpretava, o<br />
mun<strong>do</strong>. O fluxo radical e a incoerência desse mun<strong>do</strong><br />
não podiam ser tolera<strong>do</strong>s, reconheci<strong>do</strong>s, por <strong>um</strong><br />
instante — havia, em vez disso, essa estranha, delirante<br />
quase-coerência, enquanto o sr Thompson, com suas<br />
invenções incessantes, inconscientes e velozes,<br />
improvisava continuamente <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> à sua volta —<br />
<strong>um</strong> mun<strong>do</strong> das Mil e <strong>um</strong>a noites, <strong>um</strong>a fantasmagoria,<br />
<strong>um</strong> sonho de pessoas, figuras, situações sempre em<br />
mudança, mutações e transformações continuas,<br />
calei<strong>do</strong>scópicas.<br />
128<br />
Mas para o sr. Thompson não se tratava de <strong>um</strong>a s<strong>é</strong>rie<br />
de fantasias e ilusões sempre mutáveis e evanescentes,<br />
e sim de <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> absolutamente normal, estável e<br />
concreto. Pelo <strong>que</strong> ele soubesse, não havia problema<br />
alg<strong>um</strong>.<br />
Certa ocasião, o sr. Thompson saiu a passeio,<br />
identifican<strong>do</strong>-se na portaria como ”reveren<strong>do</strong> William<br />
Thompson”, chaman<strong>do</strong> <strong>um</strong> táxi e se ausentan<strong>do</strong> por <strong>um</strong><br />
dia. O motorista <strong>do</strong> táxi, com <strong>que</strong>m falamos depois,<br />
declarou <strong>que</strong> nunca tinha visto <strong>um</strong> passageiro tão<br />
fascinante, pois o sr. Thompson contou-lhe <strong>um</strong>a<br />
história atrás da outra, espantosas histórias pessoais<br />
cheias de aventuras fantásticas. ”Ele parecia ter esta<strong>do</strong><br />
em toda parte, feito tu<strong>do</strong>, conheci<strong>do</strong> to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Não<br />
pude acreditar <strong>que</strong> tanta coisa fora possível em <strong>um</strong>a<br />
única vida”, disse ele. ”Não <strong>é</strong> exatamente <strong>um</strong>a única<br />
vida”, respondemos. ”É tu<strong>do</strong> muito curioso — <strong>um</strong>a<br />
<strong>que</strong>stão de identidade.’”<br />
Jimmie G., outro paciente com síndrome de Korsakov<br />
descrito com detalhes no capítulo 2, já de longa data<br />
”sossegara” de sua fase aguda da síndrome de<br />
Korsakov e parecia agora estaciona<strong>do</strong> em <strong>um</strong> esta<strong>do</strong> de<br />
permanente desorientação (ou, talvez, em <strong>um</strong><br />
permanente sonho ou reminiscência <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> com<br />
aparência de presente). Mas o sr. Thompson, rec<strong>é</strong>m-