Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
primeira palavra, como quan<strong>do</strong> Helen Keller disse<br />
”água”), <strong>um</strong> primeiro movimento, <strong>um</strong>a primeira<br />
percepção, <strong>um</strong> primeiro impulso — total, inopina<strong>do</strong>,<br />
onde nada havia, ou nada havia com senti<strong>do</strong> antes. ”No<br />
princípio está o impulso”. Não <strong>um</strong> ato, não <strong>um</strong> reflexo,<br />
mas <strong>um</strong> ”impulso”, <strong>que</strong> <strong>é</strong> ao mesmo tempo mais óbvio<br />
e mais misterioso <strong>do</strong> <strong>que</strong> a<strong>que</strong>les... Não podíamos dizer<br />
a Madeleine: ”Faça”,<br />
78<br />
mas podíamos esperar por <strong>um</strong> impulso; podíamos<br />
esperar, induzir, podíamos at<strong>é</strong> mesmo provocar <strong>um</strong>...<br />
Pensei no rec<strong>é</strong>m-nasci<strong>do</strong> ao procurar o seio materno.<br />
”Deixem a comida de Madeleine <strong>um</strong> pouquinho fora <strong>do</strong><br />
alcance de vez em quan<strong>do</strong>, como <strong>que</strong> por distração”,<br />
sugeri às enfermeiras. ”Não a deixem morrer de fonte,<br />
não a provo<strong>que</strong>m, mas não se mostrem tão pressurosas<br />
para alimentá-la, como de cost<strong>um</strong>e”. E <strong>um</strong> dia<br />
aconteceu — o <strong>que</strong> nunca havia aconteci<strong>do</strong> antes:<br />
impaciente, faminta, em vez de esperar passiva e<br />
pacientemente, ela estendeu o braço, tateou, encontrou<br />
<strong>um</strong> bagel, tipo de pão judeu, e o levou à boca. Esse foi<br />
seu primeiro uso das mãos, seu primeiro ato manual,<br />
em sessenta anos, e marcou seu nascimento como <strong>um</strong><br />
”indivíduo motor” (o termo de Sherrington para a<br />
pessoa <strong>que</strong> emerge por meio de atos). Marcou tamb<strong>é</strong>m<br />
sua primeira percepção manual e, assim, seu<br />
nascimento como <strong>um</strong> ”indivíduo perceptivo” completo.<br />
Sua primeira percepção, seu primeiro reconhecimento,<br />
foi o de <strong>um</strong> bagel, ou ”qualidade <strong>do</strong> bagel” — como o<br />
primeiro reconhecimento de Helen Keller, a primeira<br />
declaração, foi da água (”qualidade da água”).<br />
Depois desse primeiro ato, dessa primeira percepção,<br />
o progresso foi extremamente rápi<strong>do</strong>. Assim como<br />
estendera a mão para explorar ou tocar <strong>um</strong> bagel, ela<br />
passou então, em sua nova fome, a estendê-la para<br />
explorar ou tocar o mun<strong>do</strong> inteiro. Comer abriu o<br />
caminho — para sentir, explorar diferentes alimentos,<br />
recipientes, utensílios etc. O ”reconhecimento”