Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
carregou consigo, escritas em cartões, as propriedades<br />
n<strong>um</strong><strong>é</strong>ricas <strong>do</strong>s elementos at<strong>é</strong> <strong>que</strong> elas se tornaram<br />
totalmente ”familiares” para ele — tão familiares <strong>que</strong><br />
ele não mais pensava nelas como agrega<strong>do</strong>s de<br />
propriedades, mas (segun<strong>do</strong> ele próprio afirmou)<br />
”como rostos conheci<strong>do</strong>s”. Ele passou a ver os<br />
elementos, iconicamente, fisionomicamente, como<br />
”rostos” — rostos <strong>que</strong> se relacionavam, como membros<br />
de <strong>um</strong>a família, e <strong>que</strong> compunham, in totó,<br />
periodicamente organiza<strong>do</strong>s, to<strong>do</strong> o rosto formal <strong>do</strong><br />
universo. Uma mente científica assim <strong>é</strong> essencialmente<br />
”icônica” e ”vê” toda a natureza como rostos e cenas,<br />
talvez tamb<strong>é</strong>m como música. Essa ”visão”, essa visão<br />
interna, envolta pelo fenomênico, tem ainda assim <strong>um</strong>a<br />
relação integral como físico, e devolvê-la <strong>do</strong> psíquico<br />
para o físico constitui o trabalho secundário, ou<br />
externo, dessa ciência. (”O filósofo procura ouvir<br />
dentro de si os ecos da sinfonia <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”, escreveu<br />
Nietzsche, ”e volta a projetá-los na forma de<br />
conceitos.”) Os gêmeos, embora deficientes mentais,<br />
ouvem a sinfonia <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, imagino, mas a ouvem<br />
inteiramente em forma n<strong>um</strong><strong>é</strong>rica.<br />
A alma <strong>é</strong> ”harmônica” seja qual for o Qi da pessoa, e<br />
para alguns, como os cientistas físicos e os<br />
matemáticos, o senso de harmonia, talvez, <strong>é</strong><br />
primordialmente intelectual. No entanto, não consigo<br />
pensar em algo intelectual <strong>que</strong> não seja, de alg<strong>um</strong><br />
mo<strong>do</strong>, tamb<strong>é</strong>m sensível — de fato, a própria palavra<br />
”senso” tem sempre essa dupla conotação. Sensível e,<br />
de certo mo<strong>do</strong>, tamb<strong>é</strong>m ”pessoal”, pois <strong>é</strong> impossível<br />
algu<strong>é</strong>m sentir alg<strong>um</strong>a coisa, julgar <strong>um</strong>a coisa ”sensível”<br />
sem <strong>que</strong> ela seja, de alg<strong>um</strong> mo<strong>do</strong>, relacionada ou<br />
passível de relacionar-se com a pessoa. Assim, a<br />
imponente arquitetônica de Bach proporciona, como<br />
fazia para Martin A., ”<strong>um</strong>a hieroglífica e obscurecida<br />
lição sobre to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>”, mas ela tamb<strong>é</strong>m <strong>é</strong>,<br />
reconhecível, única e afetuosamente Bach; e isso<br />
tamb<strong>é</strong>m era senti<strong>do</strong>, comoventemente, por Martin A., e