Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
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conheço. Que estação de rádio tocaria minhas canções,<br />
e mais nada?” E então ela se perguntou: ”Será <strong>que</strong> o<br />
rádio está na minha cabeça?”. À<strong>que</strong>la altura, ela já<br />
estava toda confusa — e a música prosseguia,<br />
ensurdece<strong>do</strong>ra. Sua última esperança era seu<br />
especialista, o otologista <strong>que</strong> estava acompanhan<strong>do</strong><br />
seu caso: ele a tranqüilizaria, diria <strong>que</strong> eram apenas<br />
”barulhos no ouvi<strong>do</strong>”, algo relaciona<strong>do</strong> à surdez,<br />
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nada com <strong>que</strong> se preocupar. Mas, quan<strong>do</strong> ela o<br />
procurou pela manhã, ele declarou: ”Não, senhora O’C,<br />
acho <strong>que</strong> não são os seus ouvi<strong>do</strong>s. Um simples tini<strong>do</strong>,<br />
z<strong>um</strong>bi<strong>do</strong> ou estron<strong>do</strong>, talvez; mas <strong>um</strong> concerto de<br />
canções irlandesas — isso não vem <strong>do</strong>s seus ouvi<strong>do</strong>s”, e<br />
prosseguiu, ”talvez fosse bom a senhora procurar <strong>um</strong><br />
psiquiatra”. A sra. O’C. marcou hora com o psiquiatra<br />
no mesmo dia. ”Não, senhora O’C.”, disse ele, ”não <strong>é</strong><br />
sua mente. A senhora não está louca — e os loucos não<br />
ouvem música, ouvem apenas ’vozes’. A senhora<br />
precisa procurar <strong>um</strong> <strong>neurologista</strong>, meu colega, <strong>do</strong>utor<br />
<strong>Sacks</strong>.” E foi assim <strong>que</strong> a sra. O’C. veio me consultar.<br />
A conversa não foi nada fácil, em parte devi<strong>do</strong> à<br />
surdez da sra. O’C., por<strong>é</strong>m mais ainda por<strong>que</strong> minha<br />
voz era repetidamente abafada pelas canções — ela só<br />
conseguia me ouvir quan<strong>do</strong> a música era mais suave.<br />
Ela era viva, alerta, não estava deliran<strong>do</strong> nem louca,<br />
mas tinha <strong>um</strong> olhar distante, absorto, como algu<strong>é</strong>m <strong>que</strong><br />
estivesse <strong>um</strong> pouco em <strong>um</strong> mun<strong>do</strong> próprio. Não<br />
consegui encontrar problema neurológico alg<strong>um</strong>.<br />
Mesmo assim, desconfiei de <strong>que</strong> a música era<br />
”neurológica”.<br />
O <strong>que</strong> teria aconteci<strong>do</strong> com a sra. O’C. para levá-la a<br />
tal situação? Ela estava com 88 anos, com saúde ótima<br />
e sem sinal de febre. Não estava toman<strong>do</strong> medicamento<br />
alg<strong>um</strong> <strong>que</strong> pudesse desequilibrar sua mente<br />
excepcional. E, manifestamente, ela estivera normal no<br />
dia anterior.<br />
”Acha <strong>que</strong> <strong>é</strong> <strong>um</strong> derrame, <strong>do</strong>utor?”, ela perguntou,