Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica ... - Stoa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
inconcebível, e em perp<strong>é</strong>tuo fluxo e movimento.<br />
Portanto, para H<strong>um</strong>e, a identidade pessoal <strong>é</strong> <strong>um</strong>a<br />
ficção — não existimos, somos apenas <strong>um</strong>a s<strong>é</strong>rie de<br />
sensações ou percepções.<br />
Isso claramente não vale para <strong>um</strong> ser h<strong>um</strong>ano<br />
normal, pois ele possui suas percepções. Elas não são<br />
<strong>um</strong> mero fluxo, são dele, unidas por <strong>um</strong>a<br />
individualidade ou eu permanente. Mas o <strong>que</strong> H<strong>um</strong>e<br />
144<br />
descreve pode ser precisamente o <strong>que</strong> ocorre com <strong>um</strong><br />
ser tão instável quanto o paciente com”super-<br />
Tourette”, cuja vida <strong>é</strong>, em certa medida, <strong>um</strong>a sucessão<br />
de percepções e movimentos aleatórios ou convulsivos,<br />
<strong>um</strong>a tremulação de fantasmagoria sem centro ou<br />
senti<strong>do</strong>. Nisso ele <strong>é</strong> <strong>um</strong> ser ”h<strong>um</strong>eano” em vez de <strong>um</strong><br />
ser h<strong>um</strong>ano. Esse <strong>é</strong> o destino filosófico, quase<br />
teológico, <strong>que</strong> espreita se a razão entre os impulsos e o<br />
eu for por demais assoberbante. Existem afinidades<br />
com <strong>um</strong> destino ”freudiano”, <strong>que</strong> tamb<strong>é</strong>m vem a ser<br />
<strong>do</strong>mina<strong>do</strong> pelos impulsos — mas o destino freudiano<br />
tem senti<strong>do</strong> (embora trágico), ao passo <strong>que</strong> o destino<br />
”h<strong>um</strong>eano” <strong>é</strong> sem senti<strong>do</strong> e absur<strong>do</strong>.<br />
A pessoa com”super-Tourette”, assim, <strong>é</strong> compelida a<br />
lutar, como nenh<strong>um</strong>a outra, simplesmente para<br />
sobreviver: para tornar-se <strong>um</strong> indivíduo e sobreviver<br />
como tal em face <strong>do</strong>s constantes impulsos. Esse<br />
indivíduo pode deparar, desde bem pe<strong>que</strong>no, com<br />
barreiras extraordinárias à individualização, ao<br />
processo de tornar-se <strong>um</strong>a pessoa real. O milagre <strong>é</strong><br />
<strong>que</strong>, na maioria <strong>do</strong>s casos, ele consegue — pois os<br />
poderes da sobrevivência, da vontade de sobreviver, e<br />
sobreviver como <strong>um</strong> indivíduo único e inalienável, são,<br />
absolutamente, os mais fortes de nosso ser: mais fortes<br />
<strong>do</strong> <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r impulso, mais fortes <strong>do</strong> <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r<br />
<strong>do</strong>ença. A saúde, a saúde combativa, <strong>é</strong> geralmente a<br />
vitoriosa.<br />
145