09.05.2013 Views

CRÍTICA DE CINEMA EM O TEMPO – 1954 - Bresser Pereira

CRÍTICA DE CINEMA EM O TEMPO – 1954 - Bresser Pereira

CRÍTICA DE CINEMA EM O TEMPO – 1954 - Bresser Pereira

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

MORBI<strong>DE</strong>Z E PERFEIÇÃO FORMAL<br />

29.11.54<br />

Em nossa última crônica, enumerávamos, resumida e esquematicamente,<br />

as características fundamentais da obra de Clouzot. Todas estão presentes em<br />

seus filmes, mas em cada um salienta-se um aspecto. “Le courbeau” era uma<br />

crítica amarga e velada à sociedade, um estudo psicológico e social impiedoso<br />

e preciso; em “Manon” ressaltava o erotismo e o desespero; em “Le salaire de<br />

la peur”, seguindo a linha de seus demais filmes, o que salta à vista é a<br />

morbidez e o fatalismo.<br />

Compreenderemos “O salário do medo” através dessas duas palavras, às<br />

quais acrescentaremos a perfeição formal. O leitor provavelmente já sabe qual<br />

é o argumento do filme. Não vamos repeti-lo. Diremos apenas que a película se<br />

divide em duas partes: a apresentação daquela miserável e perdida vila<br />

petrolífera de Las Piedras, com seus habitantes estrangeiros vagabundos e<br />

desclassificados, e depois a acidentada viagem daqueles quatro homens em<br />

dois caminhões conduzindo a carga mortífera de nitroglicerina.<br />

Algumas pessoas têm achado exagerado o filme, principalmente no que<br />

diz respeito à apresentação da vila. Não vimos esse exagero. O que nos pareceu<br />

demasiado, isto sim, foi o pessimismo de Clouzot. As situações o as<br />

personagens que ele nos apresenta são absolutamente autenticas. A humanidade<br />

de Gérard, Bimba, Jo e Luige é tão grande que penetra em nosso ser. Aqueles<br />

homens dominados pelo medo e pelo desespero, riem, choram, tremem,<br />

morrem, são fanfarrões, violentos, impiedosos, amam-se e ignoram-se em uma<br />

sinfonia de sentimentos e de paixões, que a situação, em que são colocados<br />

inesperadamente, põe à luz integralmente. Embora lamentavelmente cortado e<br />

mutilado na cópia que está sendo apresentada no Normandie, o filme nos deixa<br />

em continua tensão, integram-se naquele ambiente mórbido e fatalista. A morte<br />

acompanha o filme do começo ao fim, desde os letreiros, até as seqüências<br />

finais do poço de petróleo, do esmagamento e morte de Jo e da valsa final. Esta<br />

última seqüência, muita gente não a compreendeu, mas na realidade era a única<br />

solução possível dentro do espírito da fita. Gérard tinha de morrer. Na<br />

concepção fatalista de Clouzot, isto já estava predeterminado, mas em um<br />

cumulo de impiedade e de sadismo, era necessário que de morresse ao som de<br />

uma valsa alegre e brilhante.<br />

“O salário do medo”, portanto, embora excessivamente pessimista<br />

mórbido e fatalista, é um filme absolutamente autêntico, servindo como um<br />

documento da miséria do nosso mundo. Trata-se de um filme fora do comum,

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!