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A luta do CEBES - Faculdade de Saúde Ibituruna - FASI

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hospício e das malhas <strong>do</strong> discurso e da prática médica. Por outro la<strong>do</strong>, na medida emque a psiquiatria é construída numa zona <strong>de</strong> fronteira entre a justiça e a norma médicae social, o asilo cumpre uma função normaliza<strong>do</strong>ra ao mesmo tempo médica e jurídica,que em nada po<strong>de</strong> ser diferenciada daquela <strong>do</strong> manicômio judiciário. É, <strong>de</strong>sta feita, quea expressão manicômio passa a ser utilizada genericamente para explicitar a função<strong>de</strong>sta instituição ambígua: “a sobreposição entre o gesto que pune e que trata” 34 .O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Goffman viria complementar as reflexões quanto à natureza <strong>do</strong> asilopsiquiátrico, contribuin<strong>do</strong> <strong>de</strong>cisivamente para a estratégia da <strong>de</strong>sinstitucionalizaçãodas práticas e saberes psiquiátricos 35 . A partir <strong>de</strong> uma análise microssociológica, o asilopsiquiátrico é iguala<strong>do</strong> à outras instituições <strong>de</strong> controle e violência, que Goffman passaa <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> “instituições totais”. Esmiuçan<strong>do</strong> os mecanismos e sistemas <strong>de</strong>stamodalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> institucionalização, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam a carreira moral, a estigmatizaçãoou a mortificação <strong>do</strong> eu, a noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>sinstitucionalização torna-se mais completa ecomplexa. Funda<strong>do</strong> no limite da medicina e da justiça, com mecanismos <strong>de</strong> controle,violência e tutela, o hospício não po<strong>de</strong> ser mais vislumbra<strong>do</strong> como um espaço terapêutico.Uma outra obra, em que pese sua natureza não “científica”, é resgatada no contexto<strong>de</strong>stes primeiros passos: trata-se <strong>de</strong> O alienista, <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis, a maisimportante obra nacional para o projeto da <strong>de</strong>sinstitucionalização no âmbito em queestá sen<strong>do</strong> abordada neste ensaio. O alienista é, sem dúvida, a mais impie<strong>do</strong>sa crítica,não apenas à psiquiatria, mas ao projeto da ciência da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, que julgaram serpossível <strong>de</strong>terminar e construir, à partir da ciência, uma socieda<strong>de</strong> perfeita 36 .O termo <strong>de</strong>sinstitucionalização, que havia surgi<strong>do</strong> nos EUA, a partir <strong>do</strong> Plano <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong> Mental <strong>do</strong> Governo Kennedy, enquanto um conjunto <strong>de</strong> medidas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sospitalização(prevenção <strong>de</strong> internações, diminuição <strong>do</strong> tempo <strong>de</strong> internação, promoção <strong>de</strong>altas hospitalares), passa a ser re<strong>de</strong>scrito enquanto <strong>de</strong>sconstrução. Embora muitas outrascontribuições tenham si<strong>do</strong> importantes neste senti<strong>do</strong> 37 , foi a experiência <strong>de</strong> Basagliaque <strong>de</strong>monstrou ser possível, na prática, estabelecer uma outra relação com a loucuraque não aquela da psiquiatria tradicional, sen<strong>do</strong> assim fundamental para a estratégiada <strong>de</strong>sinstitucionalização enquanto <strong>de</strong>sconstrução.Inspira<strong>do</strong> pelas experiências sucedidas em outros países, Basaglia iniciou seutrabalho em Gorizia com a expectativa <strong>de</strong> transformar o manicômio em um lugar <strong>de</strong>cura, o que seria viabiliza<strong>do</strong>, basicamente, pela implantação <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> terapêuticaque teria como base teórica os princípios <strong>de</strong> Maxwell Jones e François Tosquelles.O contato direto com o manicômio faz com que, no entanto, a psiquiatria seja percebidaenquanto um saber que, ao colocar o sujeito entre parênteses, passa a se ocupar <strong>de</strong> umaentida<strong>de</strong> abstrata, a <strong>do</strong>ença que, conforme as verificações <strong>de</strong> Foucault, ela própriacontribui para produzir.34. Barros, Denise Dias, 1994. Jardins <strong>de</strong> Abel: a <strong>de</strong>sconstrução <strong>do</strong> manicômio <strong>de</strong> Trieste. São Paulo: Edusp/Lemos Editorial, pp. 34.35. Goffman, Erwin, 1974. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva.36. Sob este aspecto uma importante análise <strong>de</strong> O alienista nos é oferecida por Muricy, Kátia, 1988. A razãocética: Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis e as questões <strong>de</strong> seu tempo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Cia das Letras.37. É preciso ressaltar, por exemplo, as contribuições <strong>de</strong> Thomas Szasz, David Cooper, Ronald Laing, RobertCastel, <strong>de</strong>ntre outros, que contém atributos muito importantes para esta trajetória da<strong>de</strong>sinstitucionalização.SAÚDE E DEMOCRACIA - A LUTA DO <strong>CEBES</strong>179

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