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22 AMAZÔNIA REVELADA<br />

sobre uma suposta unidade ecológica formada por um<br />

todo de florestas, bacias hidrográficas e acidentes geográficos,<br />

enfim, uma ordem natural que expressava a<br />

vontade de Deus.<br />

Essa idéia de Brasil como dádiva da natureza seria<br />

incorporada como narrativa pela coroa portuguesa, no<br />

quadro da disputa imperial, e abraçada depois pelos<br />

próprios brasileiros, à medida que a nação ia se constituindo.<br />

Estabelecia-se, assim, uma suposta identidade<br />

entre o Brasil histórico e o Brasil natural, como se um<br />

fosse a perfeita expressão do outro, mito que aparece<br />

tanto na obra de historiadores e antropólogos, a partir<br />

de Pero Vaz de Caminha (“terra chã e formosa”), quanto<br />

na linguagem corrente (“país abençoado por Deus”). 1<br />

A idéia fundamental da Ilha Brasil será, com<br />

formas diferentes, adequadas às várias épocas históricas,<br />

um traço dominante da produção cultural até,<br />

pelo menos, o início do século 20, quando a identidade<br />

brasileira passará a ser questionada e problematizada<br />

por artistas e intelectuais (como os que organizaram<br />

a Semana de Arte Moderna em 1922). Aquela<br />

percepção naturalista da história, explorada à exaustão<br />

pelos sucessivos governos da era republicana, particularmente<br />

pela ditadura militar, é hoje um dos<br />

principais obstáculos à compreensão do que está em<br />

jogo na Amazônia.<br />

A IMAGINAÇÃO MEDIEVAL:<br />

O “SELVAGEM” E A AMAZÔNIA EXÓTICA<br />

O mito da Ilha Brasil foi representado, na forma humana,<br />

pelos povos originários: à natureza “virgem e<br />

inculta” correspondia a figura do “selvagem nu e não<br />

civilizado”. Ambos teriam de ser “domesticados” pelo<br />

homem branco europeu cristão. A famosa Carta de<br />

Pero Vaz de Caminha ao rei dom Manuel de Portugal<br />

reflete exatamente esse estado de espírito:<br />

Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos<br />

a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos,<br />

visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo<br />

as aparências. E portanto se os degredados que<br />

aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem,<br />

não duvido que eles, segundo a santa tenção<br />

de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na<br />

nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os<br />

traga, porque certamente esta gente é boa e de bela<br />

simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles qualquer<br />

cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso<br />

Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como<br />

a homens bons. E Ele para nos aqui trazer creio que<br />

não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto<br />

deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar<br />

da salvação deles. E prazerá a Deus que com pouco<br />

trabalho seja assim!<br />

Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou<br />

vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal<br />

que esteja acostumado ao viver do homem. E não<br />

comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e<br />

dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si<br />

deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios<br />

que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes<br />

comemos.<br />

[...] Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que<br />

mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra<br />

o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista,<br />

será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e<br />

cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algu-

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