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24 AMAZÔNIA REVELADA<br />

tros europeus da época. Lisboa, curiosamente, publicou<br />

uma quantidade muito menor de obras desse<br />

tipo. Autores como Luís de Camões e Gil Vicente, por<br />

exemplo, praticamente ignoraram as comunidades indígenas<br />

e o cenário americano. Muitos acreditam que<br />

isso se deva ao fato de que os portugueses da época se<br />

sentiam muito mais atraídos pela aventura no mar e<br />

pelos grandes impérios do Oriente.<br />

Durante o século 16, apenas sete obras sobre o<br />

Brasil foram publicadas em Portugal, três das quais de<br />

autoria de jesuítas, que descrevem os costumes ameríndios<br />

e se autoglorificam ao narrar as desventuras da catequese,<br />

tais como as dificuldades da vida na colônia, a<br />

ferocidade dos indígenas, ou então a ingenuidade ou<br />

relutância deles em aceitar a palavra de Deus. Pedro<br />

Magalhães de Gandavo escreveu, em 1576, a Historia<br />

da Prouincia Sãcta Cruz a qui Vulgarmete Chamamos<br />

Brasil e, entre 1584 e 1602, a narrativa sobre o naufrágio<br />

de Jorge de Albuquerque Coelho (Naufragio, que<br />

Passou Jorge de Albuquerque Coelho, Capitão e Governador<br />

de Pernambuco). Alguns manuscritos permaneceram<br />

inéditos até a segunda metade do século 19.<br />

Em compensação, nas demais potências coloniais<br />

européias houve até um certo boom de documentos.<br />

André Thevet e Giovanni Battista Ramusio descreveram<br />

o cotidiano dos tupinambás. O terceiro volume<br />

da coleção Grandes Viagens, organizada por Theodor<br />

de Bry, traz os relatos de Hans Staden e Jean de Léry.<br />

Na maior parte das vezes, os povos originários são representados<br />

de forma alegórica, como seres primitivos<br />

que corporificam a força da natureza em oposição à<br />

civilização. Nos quadros e gravuras, portam vestimentas<br />

e instrumentos que não são típicos de sua cultura<br />

(não importa: nesse sentido alegórico, “índio é ín-<br />

dio”). São também mostrados de maneira caricatural,<br />

como monstros de perversão sexual e sadismo. Um<br />

bom exemplo é o quadro O Inferno, de autor anônimo<br />

(provavelmente, flamengo), do início do século<br />

16, exposto no Museu de Arte Antiga de Lisboa: Satã<br />

sentado sobre o seu trono, portando cocar e penas,<br />

submete colonizadores e jesuítas a sofrimentos sem<br />

fim, incluindo a prática do canibalismo e tortura.<br />

Apenas algumas obras fogem à regra, como os registros<br />

pictóricos de Albert Eckhout e Frans Post, que,<br />

pela primeira vez, tiveram a preocupação de mostrar os<br />

momentos de trabalho e lazer de indígenas e escravos,<br />

a “humanidade do selvagem”, a existência de mestiços,<br />

a riqueza das paisagens. Curiosamente, o “índio brasileiro”<br />

chamou a atenção de intelectuais franceses como<br />

Montaigne, Rabelais e Ronsard, que, inspirados por<br />

uma imagem idealizada do “selvagem”, criticaram o artificialismo<br />

da vida aristocrática no Antigo Regime.<br />

Os relatos de viagem e representações pictóricas<br />

não mexiam com a vida dos povos originários, mas serviam<br />

de instrumento de luta entre católicos e protestantes<br />

europeus. Vários processos da Inquisição católica<br />

pretendiam demonstrar a adesão de protestantes às<br />

práticas “demoníacas” indígenas. E os protestantes, por<br />

seu lado, acusavam portugueses e espanhóis (católicos)<br />

de praticar atrocidades contra as populações indígenas.<br />

Outro ponto de tensão importante quando se trata de<br />

representar o índio foi produzido pelas diferenças entre<br />

a atitude dos colonizadores e a dos jesuítas. Enquanto<br />

os primeiros tinham todo o interesse em propagar<br />

a imagem do índio como ser sem alma, filho do<br />

demônio etc., para justificar sua escravização, os religiosos<br />

–em par ticular, os portugueses – comparav am<br />

o índio à “criança” que não havia tido ainda a oportu-

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