26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

3. NUDEZ: O HOMEM DESACOMODADO<br />

Agora <strong>que</strong> vimos em ação a visão “diluidora” de M<strong>ar</strong>x, gost<strong>ar</strong>ia de me servir dela p<strong>ar</strong>a<br />

explic<strong>ar</strong> algumas das imagens mais poderosas da vida moderna, constantes do<br />

Manifesto. Na passagem abaixo, M<strong>ar</strong>x tenta mostr<strong>ar</strong> como o capitalismo transformou as<br />

relações das pessoas entre si e consigo mesmas. Na sintaxe de M<strong>ar</strong>x, a “burguesia” <strong>é</strong><br />

sujeito — por força de suas atividades econômicas responsáveis pelas grandes<br />

mudanças — e os homens e mulheres moder<strong>no</strong>s, de todas as classes, são objetos, já<br />

<strong>que</strong> todos se vêem transformados:<br />

103<br />

A burguesia rompeu com todos os laços feudais <strong>que</strong> subordinavam os<br />

homens aos seus “superiores naturais”, e não deixou entre homem e<br />

homem nenhum outro laço senão seus interesses nus, senão o<br />

empedernido salário. Transformou o êxtase p<strong>ar</strong>adisíaco do fanatismo<br />

piedoso, do entusiasmo cavaleiresco e do sentimentalismo filisteu na água<br />

congelada do cálculo egoísta. (...) A burguesia despiu o halo de todas as<br />

ocupações at<strong>é</strong> então ho<strong>no</strong>ráveis, enc<strong>ar</strong>adas com reverente respeito. (...) A<br />

burguesia estirpou da família seu v<strong>é</strong>u sentimental e transformou a relação<br />

famili<strong>ar</strong> em simples relação monetária. (...) Em lug<strong>ar</strong> da exploração<br />

masc<strong>ar</strong>ada sob ilusões religiosas e políticas, ela colocou uma exploração<br />

aberta, desavergonhada, direta e nua. (p. 475-76)<br />

A oposição aqui feita por M<strong>ar</strong>x <strong>é</strong> basicamente entre o <strong>que</strong> <strong>é</strong> aberto ou nu e o <strong>que</strong> <strong>é</strong><br />

escondido, velado, vestido. Essa pol<strong>ar</strong>idade, multissecul<strong>ar</strong> tanto <strong>no</strong> pensamento oriental<br />

como <strong>no</strong> ocidental, simboliza em qual<strong>que</strong>r p<strong>ar</strong>te a distinção entre um mundo “real” e um<br />

mundo ilusório. Na maior p<strong>ar</strong>te do pensamento especulativo antigo e medieval, todo o<br />

universo da experiência sensual ap<strong>ar</strong>ece como ilusório — o “V<strong>é</strong>u de Maya” dos hindus —<br />

e o verdadeiro universo <strong>é</strong> concebido como acessível somente atrav<strong>é</strong>s da transcendência<br />

dos corpos, do espaço e do tempo. Em algumas tradições, a realidade <strong>é</strong> acessível<br />

atrav<strong>é</strong>s da meditação religiosa ou filosófica; em outras, só est<strong>ar</strong>á à <strong>no</strong>ssa disposição<br />

numa existência futura, pós-morte — “por ora, entrevemos obscuramente atrav<strong>é</strong>s de<br />

um espelho, mas então veremos face a face”, segundo São Paulo.<br />

A moderna transformação, iniciada na <strong>é</strong>poca da Renascença e da Reforma, coloca<br />

ambos esses universos na Terra, <strong>no</strong> espaço e <strong>no</strong> tempo, preenchidos com seres<br />

huma<strong>no</strong>s. Agora o falso universo <strong>é</strong> visto como o passado histórico, um mundo <strong>que</strong><br />

perdemos (ou estamos a ponto de perder), enquanto o universo verdadeiro consiste <strong>no</strong><br />

mundo físico e social <strong>que</strong> existe p<strong>ar</strong>a nós, aqui e agora (ou está a ponto de existir).<br />

104

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!