26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

espirituais da vida p<strong>ar</strong>isiense foram banidas dessas ruas. O interior turbulento<br />

de Baudelaire, sua angústia e anseios — toda a sua performance criativa ao<br />

represent<strong>ar</strong> aquilo <strong>que</strong> Banville chamou de “o homem moder<strong>no</strong> em sua<br />

plenitude, com suas fra<strong>que</strong>zas, suas aspirações e seu desespero” — estão<br />

completamente fora deste mundo. Isso <strong>no</strong>s permite ver <strong>que</strong>, quando Baudelaire<br />

escolhe Constantin Guys, e não Courbet ou Daumier ou Manet (<strong>que</strong> ele conhecia<br />

e amava), como o <strong>ar</strong><strong>que</strong>típico “pintor da vida moderna”, trata-se<br />

134<br />

não só de uma <strong>que</strong>bra de gosto, mas de uma profunda rejeição e rebaixamento de si<br />

mesmo. Seu encontro com Guys, pat<strong>é</strong>tico, envolve algo verdadeiro e fundamental a<br />

respeito da modernidade: seu poder de ger<strong>ar</strong> formas de “show de ap<strong>ar</strong>ências”,<br />

modelos brilhantes, espetáculos glamurosos, tão deslumbrantes <strong>que</strong> chegam at<strong>é</strong> a<br />

ceg<strong>ar</strong> os indivíduos mais perspicazes p<strong>ar</strong>a a premência de sua própria e sombria vida<br />

interior.<br />

As mais vividas imagens antipastorais da modernidade, criadas por Baudelaire,<br />

pertencem ao fim dos a<strong>no</strong>s 1850, o mesmo período de “O Pintor da Vida Moderna”: se<br />

existe contradição entre as duas visões, Baudelaire não tem, de modo algum,<br />

consciência disso. O tema antipastoral emerge pela primeira vez <strong>no</strong> ensaio de 1855,<br />

“Sobre a Moderna Id<strong>é</strong>ia de Progresso Aplicada às Belas Artes”. 11 Aqui Baudelaire se<br />

serve de uma famili<strong>ar</strong> retórica reacionária p<strong>ar</strong>a lanç<strong>ar</strong> desd<strong>é</strong>m não só sobre a moderna<br />

id<strong>é</strong>ia de progresso, mas sobre o pensamento e a vida moder<strong>no</strong>s como um todo:<br />

Existe ainda outro erro muito atraente, <strong>que</strong> eu anseio por evit<strong>ar</strong>, como ao<br />

próprio demônio. Refiro-me à id<strong>é</strong>ia de “progresso”. Esse obscuro sinaleiro,<br />

invenção da filosofância hodierna, promulgada sem a g<strong>ar</strong>antia da<br />

Natureza ou de Deus — esse f<strong>ar</strong>ol moder<strong>no</strong> lança uma esteira de caos em<br />

todos os objetos do conhecimento; a liberdade se dispersa e some, o<br />

castigo (châtiment) desap<strong>ar</strong>ece. Quem <strong>que</strong>r <strong>que</strong> pretenda ver a história<br />

com cl<strong>ar</strong>eza deve antes de mais nada desfazer-se dessa luz traiçoeira.<br />

Essa id<strong>é</strong>ia grotesca, <strong>que</strong> floresceu <strong>no</strong> solo da fatuidade moderna,<br />

desobrigou cada homem dos seus deveres, desobrigou a alma de sua<br />

responsabilidade, desatrelou a vontade de todas as cauções impostas a<br />

ela pelo amor à beleza. (...) Tal obsessão <strong>é</strong> sintoma de uma já bem visível<br />

decadência.<br />

Beleza, aqui, ap<strong>ar</strong>ece como algo estático, imutável, inteiramente exter<strong>no</strong> ao indivíduo,<br />

a exigir rígida obediência e a impor castigos sobre seus r<strong>é</strong>calcitrantes súditos<br />

moder<strong>no</strong>s, extinguindo todas as formas de Iluminismo, funcionando como uma esp<strong>é</strong>cie<br />

136

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!