26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

descortinam são relevantes hoje, como sempre. A premissa básica <strong>é</strong> <strong>que</strong> M<strong>ar</strong>x celebra<br />

acriticamente o valor do trabalho e da produção e negligencia outras atividades<br />

humanas e modos de ser <strong>que</strong> têm pelo me<strong>no</strong>s a mesma importância. * M<strong>ar</strong>x <strong>é</strong> aí<br />

recriminado, em outras palavras, por uma falha de imaginação moral.<br />

A crítica mais penetrante de M<strong>ar</strong>cuse a M<strong>ar</strong>x ocorre em Eros e Civilização, em <strong>que</strong> a<br />

presença de M<strong>ar</strong>x <strong>é</strong> evidente, a cada página, mas curiosamente ele nunca chega a ser<br />

mencionado de forma explícita. Con<strong>tudo</strong>, em passagens como a seguinte, na qual o<br />

herói cultural favorito de M<strong>ar</strong>x, Prometeu, <strong>é</strong> atacado, torna-se óbvio o <strong>que</strong> <strong>é</strong> dito nas<br />

entrelinhas:<br />

Prometeu <strong>é</strong> o herói cultural do trabalho pe<strong>no</strong>so, da produtividade, do<br />

progresso, em meio à repressão (...); o astuto e (sofrido) rebelde contra<br />

os deuses, <strong>que</strong> cria a cultura ao preço da dor perp<strong>é</strong>tua. Ele simboliza a<br />

produtividade, o incessante esforço de domin<strong>ar</strong> a vida. (...) Prometeu <strong>é</strong> o<br />

herói <strong>ar</strong><strong>que</strong>típico do princípio da performance.<br />

M<strong>ar</strong>cuse prossegue designando figuras mitológicas alternativas, <strong>que</strong> julga mais<br />

merecedoras de idealização: Orfeu, N<strong>ar</strong>ciso, Dionísio — al<strong>é</strong>m de Baudelaire e Rilke, <strong>que</strong><br />

M<strong>ar</strong>cuse considera como seus moder<strong>no</strong>s devotos.<br />

122<br />

(Eles) apontam p<strong>ar</strong>a uma realidade muito diferente. (...) A sua <strong>é</strong> a imagem<br />

da alegria e da satisfação, a voz <strong>que</strong> não ordena mas canta, o<br />

compromisso <strong>que</strong> representa a paz e põe fim ao esforço da conquista: o<br />

libert<strong>ar</strong>-se do tempo, p<strong>ar</strong>a unir o homem a deus e à natureza (...), a<br />

redenção do prazer, a suspensão do tempo, a absorção da morte: silêncio,<br />

so<strong>no</strong>, <strong>no</strong>ite, p<strong>ar</strong>aíso — o princípio do Nirvana, não enquanto morte mas<br />

enquanto vida. 23<br />

Aquilo <strong>que</strong> a visão m<strong>ar</strong>xista-promet<strong>é</strong>ica omite são as alegrias da quietude e da<br />

passividade, o langor sensual, o enlevo místico, a sensação de unidade com a<br />

natureza, preferível ao bem-sucedido domínio sobre esta.<br />

Algo aí procede — sem dúvida, “luxe, calme et volupt<strong>é</strong>” estão muito longe de ocup<strong>ar</strong> o<br />

centro da imaginação de M<strong>ar</strong>x —, por<strong>é</strong>m me<strong>no</strong>s do <strong>que</strong> pode p<strong>ar</strong>ecer à primeira vista.<br />

Se M<strong>ar</strong>x foi fetichista a respeito de alguma coisa, não o foi a respeito do trabalho e da<br />

produção, mas antes do ideal muito mais complexo e abrangente do desenvolvimento<br />

— “o livre desenvolvimento das energias físicas e espirituais” (manuscritos de 1844);<br />

“desenvolvimento da capacidade total dos próprios indivíduos” (A Ideologia Alemã); “o<br />

* Essa critica foi exempl<strong>ar</strong>mente resumida pela observação de T. W. Ador<strong>no</strong> (embora jamais impressa)<br />

segundo a qual M<strong>ar</strong>x pretendeu transform<strong>ar</strong> o mundo inteiro num gigantesco asilo p<strong>ar</strong>a indigentes. 22<br />

125

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!