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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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composição da miriápode se transformava; e um observador agora <strong>no</strong>t<strong>ar</strong>ia<br />

o surgimento de um felpudo e negro chap<strong>é</strong>u de pele dos campos da<br />

ensangüentada Manchúria (soldados desmobilizados da Guerra Russojaponesa).<br />

Houve uma <strong>que</strong>da sensível na porcentagem de c<strong>ar</strong>tolas<br />

passantes. Ouviam-se agora brados perturbadores contra o gover<strong>no</strong> por<br />

p<strong>ar</strong>te de g<strong>ar</strong>otos de rua <strong>que</strong> a toda velocidade corriam da estação de trem<br />

ao Almirantado, agitando trapos imundos.<br />

Agora, tamb<strong>é</strong>m, pode-se ouvir um som estranhíssimo na Nevski, impossível de ser<br />

contido, “a mesma <strong>no</strong>ta importuna, ‘Oooo-oooo-ooo! ... Mas era um som? Era o som de<br />

algum outro mundo”. E “ele tinha uma cl<strong>ar</strong>idade e força r<strong>ar</strong>a” <strong>no</strong> outo<strong>no</strong> de 1905 (2, 51-2;<br />

7, 224). Trata-se de uma imagem rica e complexa; con<strong>tudo</strong>, um dos seus significados<br />

cruciais aponta p<strong>ar</strong>a o “outro mundo” das classes trabalhadoras de Peters-burgo, <strong>que</strong><br />

agora, em 1905, estão decididas a se afirm<strong>ar</strong> “neste mundo”, o mundo do projeto e do<br />

palácio <strong>no</strong> centro da cidade e do Estado. “Não deixe entr<strong>ar</strong> a multidão de sombras das<br />

ilhas!”, insta o senador Ableukhov a si e ao gover<strong>no</strong> (1, 13), mas, em 1905, seu clamor<br />

<strong>é</strong> vão.<br />

Vejamos como Bieli situa suas personagens nesse cenário. Sua primeira cena<br />

dramática <strong>é</strong> uma versão do <strong>que</strong> chamei a cena primordial de Petersburgo: o encontro<br />

entre o ofical e o funcionário, entre baixa <strong>no</strong>breza e raz<strong>no</strong>chintsy na rua Nevski (1,10-<br />

14). A versão <strong>que</strong> Bieli dá a essa cena <strong>ar</strong><strong>que</strong>típica torna chocantemente cl<strong>ar</strong>o quanto<br />

a vida de Petersburgo mudou desde a era do Homem do Subterrâneo. O senador<br />

Ableukhov ama a Nevski: “A inspiração se apossava da alma do senador toda vez <strong>que</strong> o<br />

cubo la<strong>que</strong>ado (de sua c<strong>ar</strong>ruagem) cortava a Nevski. Aí a numeração das casas era<br />

visível. E a circulação prosseguia. Lá, de lá, em dias límpidos, de longe, bem longe,<br />

vinha o brilho ofuscante do ponteiro de ouro (Almirantado), as nuvens, o raio c<strong>ar</strong>mim do<br />

crepúsculo”. Mas acreditamos <strong>que</strong> ele a ame de maneira peculi<strong>ar</strong>. Ele ama as formas<br />

geom<strong>é</strong>tricas abstratas do projeto — “seus gostos eram distintos devido à h<strong>ar</strong>moniosa<br />

simplicidade da rua. O <strong>que</strong> ele mais amava era a perspectiva retilínea; esta perspectiva<br />

lhe lembrava o fluxo do tempo entre dois pontos” — mas ele não suporta as pessoas<br />

reais <strong>que</strong> ali estão. Assim, em sua c<strong>ar</strong>ruagem, “suavemente balouçando <strong>no</strong> assento de<br />

almofadas de cetim”, ele se sente aliviado por est<strong>ar</strong> “sep<strong>ar</strong>ado da escória das ruas por<br />

quatro p<strong>ar</strong>edes perpendicul<strong>ar</strong>es. Assim estava ele isolado das pessoas e das<br />

coberturas vermelhas dos trapos inúteis e úmidos à venda bem lá <strong>no</strong> cruzamento”.<br />

Vemos aqui a burocracia cz<strong>ar</strong>ista, em sua última fase, tentando deix<strong>ar</strong> p<strong>ar</strong>a trás seu<br />

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