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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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<strong>ar</strong>rebatadoras, muito longe da pastoral, sobre o <strong>que</strong> a <strong>ar</strong>te moderna deve busc<strong>ar</strong> e<br />

apreender na vida moderna. Antes de <strong>tudo</strong>, diz ele, o <strong>ar</strong>tista moder<strong>no</strong> devia “sent<strong>ar</strong><br />

praça <strong>no</strong> coração da multidão, em meio ao fluxo e refluxo do movimento, em meio ao<br />

fugidio e ao infinito”, em meio à multidão da grande metrópole. “Sua paixão e sua<br />

profissão de f<strong>é</strong> são torn<strong>ar</strong>-se unha e c<strong>ar</strong>ne com a multidão — <strong>é</strong>pouser la foule” (cas<strong>ar</strong>-se<br />

com a multidão). Baudelaire põe ênfase especial nessa imagem estranha e obsessiva.<br />

Esse “amante da vida universal” deve “adentr<strong>ar</strong> a multidão como se esta fosse um<br />

imenso reservatório de energia el<strong>é</strong>trica. (...) Ou devíamos então comp<strong>ar</strong>á-lo a um<br />

caleidoscópio dotado de consciência”. Ele deve “express<strong>ar</strong> ao mesmo tempo a atitude e<br />

os gestos dos seres vivos, sejam solenes ou grotescos, e sua lumi<strong>no</strong>sa explosão <strong>no</strong><br />

espaço”. 17 Energia el<strong>é</strong>trica, caleidoscópio, explosão: a <strong>ar</strong>te moderna deve recri<strong>ar</strong>, p<strong>ar</strong>a<br />

si, as prodigiosas transformações de mat<strong>é</strong>ria e energia <strong>que</strong> a ciência e a tec<strong>no</strong>logia<br />

modernas — física, óptica, química, engenh<strong>ar</strong>ia — haviam promovido.<br />

A coisa não está em <strong>que</strong> o <strong>ar</strong>tista deva utiliz<strong>ar</strong> essas i<strong>no</strong>vações — embora <strong>no</strong> ensaio<br />

sobre “Fotografia” Baudelaire aprove isso, desde <strong>que</strong> as <strong>no</strong>vas t<strong>é</strong>cnicas se<br />

mantenham em seu lug<strong>ar</strong> subalter<strong>no</strong>. O verdadeiro objetivo do <strong>ar</strong>tista moder<strong>no</strong><br />

consistiria em re<strong>ar</strong>ticul<strong>ar</strong> tais processos, i<strong>no</strong>culando sua própria alma e sensibilidade<br />

atrav<strong>é</strong>s dessas transformações, p<strong>ar</strong>a trazer à luz, em sua obra, essas forças explosivas.<br />

Mas como? Não creio <strong>que</strong> Baudelaire, ou qual<strong>que</strong>r outro <strong>no</strong> s<strong>é</strong>culo XIX, tenha tido<br />

uma id<strong>é</strong>ia cl<strong>ar</strong>a de como fazer isso. Essas imagens só começ<strong>ar</strong>ão a se concretiz<strong>ar</strong> <strong>no</strong><br />

início do s<strong>é</strong>culo XX — na pintura cubista, na colagem e na montagem, <strong>no</strong> cinema, <strong>no</strong><br />

fluxo de consciência do romance moder<strong>no</strong>, <strong>no</strong> verso livre de Eliot, Pound e Apollinaire,<br />

<strong>no</strong> futurismo, <strong>no</strong> vorticismo, <strong>no</strong> construtivismo, <strong>no</strong> dadaísmo, <strong>no</strong>s poemas <strong>que</strong> aceleram<br />

como automóveis, nas pinturas <strong>que</strong> explodem como bombas. No entanto, Baudelaire<br />

apreende algo <strong>que</strong> seus sucessores modernistas do s<strong>é</strong>culo XX tendem a es<strong>que</strong>cer. Isso<br />

está sugerido na ênfase extraordinária <strong>que</strong> ele dá ao verbo <strong>é</strong>pouser, como símbolo<br />

fundamental da relação entre o <strong>ar</strong>tista e as pessoas à sua volta. Quer a palavra seja<br />

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tomada em seu sentido direto de cas<strong>ar</strong>-se, <strong>que</strong>r <strong>no</strong> sentido figurado de envolver<br />

sensualmente, trata-se de uma das mais banais experiências humanas, e uma das<br />

mais universais: trata-se, como diz a canção famosa, daquilo <strong>que</strong> faz o mundo gir<strong>ar</strong>.<br />

Um dos problemas fundamentais do modernismo do s<strong>é</strong>culo XX <strong>é</strong> <strong>que</strong> <strong>no</strong>ssa <strong>ar</strong>te tende<br />

a perder contato com a vida cotidiana das pessoas. Isto, <strong>é</strong> cl<strong>ar</strong>o, não <strong>é</strong> universalmente<br />

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