26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

sedutoramente por detrás da másc<strong>ar</strong>a.<br />

São sonhos, sobre<strong>tudo</strong>, <strong>que</strong> unem <strong>ar</strong>tista e rua. “Oh, não confie na Nevski (...) É <strong>tudo</strong><br />

um sonho.” Assim fala o n<strong>ar</strong>rador, depois de mostr<strong>ar</strong>-<strong>no</strong>s como Pishk<strong>ar</strong>ev foi destruído<br />

pelos seus sonhos. E, con<strong>tudo</strong>, Gogol mostrou-<strong>no</strong>s, sonhos foram a força motriz da<br />

vida e da morte do <strong>ar</strong>tista. Isto se faz cl<strong>ar</strong>o atrav<strong>é</strong>s de um giro típico de Gogol: “Esse<br />

jovem pertencia a uma classe <strong>que</strong> constitui um fenôme<strong>no</strong> estranho em <strong>no</strong>sso meio, e<br />

<strong>que</strong> pertence aos cidadãos de São Petersburgo tanto quanto a face <strong>que</strong> vemos em<br />

sonhos pertence à vida real (...) Ele<br />

193<br />

era um <strong>ar</strong>tista”. O tom retórico dessa frase p<strong>ar</strong>ece pôr de lado o <strong>ar</strong>tista de Petersburgo;<br />

sua substância, p<strong>ar</strong>a a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> a <strong>no</strong>tam, acaba por elevá-lo a grandes alturas: a<br />

relação do <strong>ar</strong>tista com a cidade <strong>é</strong> represent<strong>ar</strong> e talvez mesmo personific<strong>ar</strong> “a face <strong>que</strong><br />

vemos em sonhos”. Se isso assim <strong>é</strong>, o Projeto Nevski constitui, como rua de sonho, de<br />

Petersburgo, não só o habitat natural do <strong>ar</strong>tista, como tamb<strong>é</strong>m sua companheira de<br />

criação numa escala macrocósmica: ele <strong>ar</strong>ticula com tinta e tela — ou com palavras na<br />

página impressa — os sonhos coletivos <strong>que</strong> a rua realiza com material huma<strong>no</strong> <strong>no</strong><br />

espaço e <strong>no</strong> tempo. Portanto, o erro de Pishk<strong>ar</strong>ev reside não em vag<strong>ar</strong> rua acima e<br />

abaixo, mas em dela sair. É apenas quando confunde a lumi<strong>no</strong>sa vida de sonho da<br />

Nevski com a vida mundana e sombria das ruas laterais <strong>que</strong> ele se destrói.<br />

Se a afinidade entre <strong>ar</strong>tista e Projeto ab<strong>ar</strong>ca Pishk<strong>ar</strong>ev, ab<strong>ar</strong>ca tamb<strong>é</strong>m Gogol: a vida<br />

de sonho coletiva, <strong>que</strong> dá à rua sua lumi<strong>no</strong>sidade, <strong>é</strong> a principal fonte de seu próprio<br />

poder de imaginação. Quando, na última linha da história, atribui ao demônio a luz<br />

estranha por<strong>é</strong>m fascinante da rua, Gogol está sendo jocoso; todavia, <strong>é</strong> evidente <strong>que</strong>,<br />

caso tomasse essa imagem literalmente, caso buscasse renunci<strong>ar</strong> ao demônio e d<strong>ar</strong> as<br />

costas a essa luz, ele extinguiria sua própria força vital. Dezessete a<strong>no</strong>s mais t<strong>ar</strong>de, bem<br />

longe da Nevski — em Moscou, tradicional cidade sagrada da Rússia e antítese simbólica<br />

de Petersburgo —, Gogol f<strong>ar</strong>á exatamente isso. Sob a influência de um homem santo,<br />

falso mas fanático, Gogol acredit<strong>ar</strong>á <strong>que</strong> toda a literatura, e a sua, principalmente, <strong>é</strong><br />

inspirada pelo diabo. Ele então cri<strong>ar</strong>á p<strong>ar</strong>a si um final tão horrível quanto o <strong>que</strong><br />

escreveu p<strong>ar</strong>a Pishk<strong>ar</strong>ev: <strong>que</strong>im<strong>ar</strong>á o segundo e o terceiro volumes de Almas Mortas e<br />

se mat<strong>ar</strong>á sistematicamente de fome. 14<br />

Um dos principais problemas da história de Gogol <strong>é</strong> a relação entre a introdução e as<br />

200

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!