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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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confrontos e colisões serão evitados. O sig<strong>no</strong> distintivo do urbanismo oitocentista foi o<br />

bulev<strong>ar</strong>, uma maneira de reunir explosivas forças materiais e humanas; o traço<br />

m<strong>ar</strong>cante do urbanismo do s<strong>é</strong>culo XX tem sido a rodovia, uma forma de manter<br />

sep<strong>ar</strong>adas essas mesmas forças. Dep<strong>ar</strong>amo-<strong>no</strong>s aqui com uma estranha dial<strong>é</strong>tica, em<br />

<strong>que</strong> um tipo de modernismo ao mesmo tempo encontra energia e se exaure a si<br />

mesmo, tentando aniquil<strong>ar</strong> o outro, <strong>tudo</strong> em <strong>no</strong>me do modernismo.<br />

O <strong>que</strong> faz a <strong>ar</strong>quitetura modernista do s<strong>é</strong>culo XX especialmente intrigante p<strong>ar</strong>a nós <strong>é</strong> o<br />

preciso ponto baudelairea<strong>no</strong> de <strong>que</strong> ela p<strong>ar</strong>te — um ponto <strong>que</strong> ela logo se empenha em<br />

apag<strong>ar</strong>. Quero referir-me a Le Corbusier, talvez o maior <strong>ar</strong>quiteto do s<strong>é</strong>culo XX, com<br />

certeza o mais influente, tal como o conhecemos em L’Urbanisme (traduzido em inglês<br />

com o sugestivo título de The City of Tomorrow, “A Cidade de Amanhã”), seu grande<br />

manifesto modernista de 1924. O prefácio evoca uma experiência concreta a p<strong>ar</strong>tir da<br />

qual, assim ele o diz, sua visão se<br />

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desenvolveu. 27 Não <strong>é</strong> o caso de o tom<strong>ar</strong>mos ao p<strong>é</strong> da letra, mas, antes, de compreender<br />

sua n<strong>ar</strong>rativa como uma p<strong>ar</strong>ábola modernista, formalmente simil<strong>ar</strong> à de Baudelaire. A<br />

história começa em um bulev<strong>ar</strong> — especificamente o Champs Elys<strong>é</strong>es —, num fim de<br />

t<strong>ar</strong>de do verão de 1924. Ele havia saído p<strong>ar</strong>a uma caminhada ao pôr-do-sol, apenas<br />

p<strong>ar</strong>a se ver expulso da rua pelo tráfego. Isso acontece meio s<strong>é</strong>culo após Baudelaire, e o<br />

automóvel tinha feito sua ap<strong>ar</strong>ição <strong>no</strong>s bulev<strong>ar</strong>es, com força total: “foi como se o mundo<br />

tivesse subitamente enlou<strong>que</strong>cido”. A cada momento, assim sentiu Le Corbusier, “a<br />

fúria do tráfego crescia. A cada dia sua agitação aumentava”. (Aqui a moldura<br />

temporal e a intensidade dramática são um tanto rompidas.) Le Corbusier sentia-se<br />

diretamente ameaçado e vulnerável: “Deix<strong>ar</strong> <strong>no</strong>ssa casa significava <strong>que</strong>, uma vez<br />

cruzada a soleira da porta, nós estávamos em perigo e podíamos ser mortos pelos<br />

c<strong>ar</strong>ros <strong>que</strong> passavam”. Chocado e desorientado, ele comp<strong>ar</strong>a a rua (e a cidade) de<br />

então com a de sua juventude, antes da Grande Guerra: “Recuo vinte a<strong>no</strong>s, à minha<br />

juventude como estudante: a estrada então <strong>no</strong>s pertencia; cantávamos nela,<br />

discutíamos nela, enquanto os cavalos e veículos passavam suavemente”. (O grifo <strong>é</strong><br />

meu.) Isso expressa um lamento triste e am<strong>ar</strong>go tão velho quanto a própria cultura, e um<br />

dos temas eter<strong>no</strong>s da poesia: Où sont les neiges d’antan ? (Onde estão as neves de<br />

outrora?). Por<strong>é</strong>m, sua percepção das texturas do espaço urba<strong>no</strong> e do tempo histórico<br />

torna sua <strong>no</strong>stálgica visão fresca e <strong>no</strong>va. “A estrada então <strong>no</strong>s pertencia.” A relação dos<br />

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