26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

todos os cantos do mundo “quieta e persistentemente se movem ao seu redor”,<br />

incapazes de responder de outra forma <strong>que</strong> não dizer sim e cal<strong>ar</strong>-se:” Vocês” — o<br />

Homem do Subterrâneo dirige-se à sua plat<strong>é</strong>ia de “cavalheiros” —<br />

acreditam num edifício de cristal indestrutível por todos os s<strong>é</strong>culos,<br />

um edifício tal <strong>que</strong> não se poderá mostr<strong>ar</strong> a língua, às escondidas,<br />

nem fazer figa dentro do bolso. E eu temo esse edifício justamente<br />

por<strong>que</strong> <strong>é</strong> de cristal e indestrutível por todos os s<strong>é</strong>culos, e por não se<br />

poder mostr<strong>ar</strong>-lhe a língua, nem mesmo às escondidas.<br />

Mostr<strong>ar</strong> a língua se transforma numa demonstração de auto<strong>no</strong>mia pessoal, uma<br />

auto<strong>no</strong>mia p<strong>ar</strong>a a qual o palácio de Cristal representa uma ameaça radical.<br />

Os leitores <strong>que</strong> tent<strong>ar</strong>am visualiz<strong>ar</strong> o palácio de Cristal com base na linguagem de<br />

Dostoievski, provavelmente imagin<strong>ar</strong>ão uma imensa<br />

224<br />

laje ozimandiana, * forçando os homens p<strong>ar</strong>a baixo com seu peso — um peso físico e<br />

metafísico — e brutal implacabilidade; talvez uma versão mais baixa do World Trade<br />

Center. Por<strong>é</strong>m, se <strong>no</strong>s desvi<strong>ar</strong>mos das palavras de Dostoïevski p<strong>ar</strong>a a infinidade de<br />

pinturas, fotografias, litografias, aqu<strong>ar</strong>elas e descrições detalhadas do edifício real,<br />

provavelmente <strong>no</strong>s indag<strong>ar</strong>emos se Dostoievski de fato o viu alguma vez. O <strong>que</strong> vemos 39<br />

<strong>é</strong> uma estrutura sustentada por finas vigas de ferro, quase imperceptíveis, uma estrutura<br />

de linhas suaves, fluidas e curvas graciosas, leve a ponto de p<strong>ar</strong>ecer não ter peso, de<br />

poder flutu<strong>ar</strong> <strong>no</strong> <strong>ar</strong> a qual<strong>que</strong>r momento. Sua cor se alterna entre a do c<strong>é</strong>u, visto<br />

atrav<strong>é</strong>s dos vidros transp<strong>ar</strong>entes, <strong>que</strong> cobrem quase todo o volume do edifício, e o<br />

azul-celeste de suas finas vigas de ferro; essa combinação <strong>no</strong>s imerge num brilho<br />

deslumbrante, <strong>que</strong> absorve a luz do c<strong>é</strong>u e da água, em dinamismo iluminado.<br />

Visualmente, o edifício p<strong>ar</strong>ece uma pintura t<strong>ar</strong>dia de Turner, p<strong>ar</strong>ticul<strong>ar</strong>mente Chuva,<br />

Vapor e Velocidade (1844), <strong>que</strong> funde a natureza e a indústria num ambiente dinâmico e<br />

vivamente cromado.<br />

Em sua relação com a natureza, o palácio antes envolve <strong>que</strong> oblit<strong>é</strong>ra: grandes árvores<br />

antigas, ao inv<strong>é</strong>s de serem cortadas, são contidas dentro do edifício, onde — como uma<br />

estufa, a <strong>que</strong> o palácio se assemelha e <strong>que</strong> deu fama a seu criador, Joseph Paxton —<br />

crescem maiores e mais sadias <strong>que</strong> nunca. Al<strong>é</strong>m disso, longe de ter sido projetado com<br />

árido cálculo mecânico, o palácio de Cristal <strong>é</strong>, realmente, a construção mais visionária e<br />

* O adjetivo prov<strong>é</strong>m de Ozymandias, famoso poema de Shelley sobre um historiador da Gr<strong>é</strong>cia antiga <strong>que</strong><br />

descobriu destroços de uma gigantesca estátua <strong>no</strong> deserto. (N. T.)<br />

234

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!