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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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muito mais vasta do <strong>que</strong> os moder<strong>no</strong>s intelectuais podem conceber. * Mas esses<br />

burgueses alien<strong>ar</strong>am-se de sua própria criatividade, pois não suportam olh<strong>ar</strong> de frente o<br />

abismo moral, social e psíquico gerado por essa mesma criatividade.<br />

Algumas das mais vividas e tocantes imagens de M<strong>ar</strong>x <strong>no</strong>s forçam ao confronto com<br />

esse abismo. Assim, “a moderna sociedade burguesa, uma sociedade <strong>que</strong> liberou tão<br />

formidáveis meios de produção e troca, <strong>é</strong> como a feiticeira incapaz de control<strong>ar</strong> os<br />

poderes ocultos desencadeados por seu feitiço” (p. 478). Essa imagem evoca os<br />

espíritos da<strong>que</strong>le sombrio passado medieval <strong>que</strong> <strong>no</strong>ssa moderna burguesia em princípio<br />

teria enterrado. Seus membros se apresentam como homens objetivos e materiais, não<br />

como mágicos; como herdeiros do Iluminismo, e não das trevas. Quando acusa os<br />

burgueses de feiticeiros — lembre-se tamb<strong>é</strong>m seu empreendimento <strong>que</strong> “expulsou<br />

populações inteiras de seu habitat”, p<strong>ar</strong>a não mencion<strong>ar</strong> “o espectro do comunismo”<br />

—, M<strong>ar</strong>x está na verdade apontando p<strong>ar</strong>a as profundidades negadas por eles. A<br />

imag<strong>é</strong>tica de M<strong>ar</strong>x, aqui como sempre, projeta uma aura de m<strong>ar</strong>avilhoso sobre o<br />

mundo moder<strong>no</strong>: seus poderes vitais são fascinantes e <strong>ar</strong>rebatadores, al<strong>é</strong>m de <strong>tudo</strong> o<br />

<strong>que</strong> a burguesia possa ter imaginado e muito me<strong>no</strong>s calculado ou planejado. Mas as<br />

imagens de M<strong>ar</strong>x expressam tamb<strong>é</strong>m aquilo <strong>que</strong> sempre deve acompanh<strong>ar</strong> todo<br />

genuí<strong>no</strong> sentido de m<strong>ar</strong>avilhoso: o sentido de terror. Pois esse mundo miraculoso e<br />

mágico <strong>é</strong> ainda demoníaco e aterrorizador, a gir<strong>ar</strong> desenfreado e fora de controle, a<br />

ameaç<strong>ar</strong> e a destruir, cegamente, à medida <strong>que</strong> se move. Os membros da burguesia<br />

reprimem tanto a m<strong>ar</strong>avilha quanto o terror daquilo <strong>que</strong> fizeram: os possessos não<br />

desejam saber quão profundamente estão possuídos. Conhecem apenas alguns<br />

momentos de ruína pessoal e geral — apenas, ou seja, quando já <strong>é</strong> t<strong>ar</strong>de demais.<br />

O feiticeiro burguês de M<strong>ar</strong>x descende do Fausto de Goethe, <strong>é</strong> cl<strong>ar</strong>o, mas tamb<strong>é</strong>m de<br />

outra figura literária <strong>que</strong> eletrizou a imaginação<br />

* Na verdade, o termo niilismo nasce com a própria geração de M<strong>ar</strong>x: foi cunhado por Turgueniev como lema<br />

p<strong>ar</strong>a seu herói radical, Baz<strong>ar</strong>ov, em Pais e Filhos (1861), e elaborado de maneira mais acurada por Dostoievski<br />

em Notas do Subterrâneo (1864) e Crime e Castigo ( 1866-67). Nietzsche explora com mais profundidade as<br />

fontes e co<strong>no</strong>tações do niilismo em A Vontade de Potência (1885-88), sobre<strong>tudo</strong> na p<strong>ar</strong>te 1, “O niilismo<br />

europeu”. Embora isso seja r<strong>ar</strong>amente mencionado, <strong>é</strong> importante lembr<strong>ar</strong> <strong>que</strong> Nietzsche considerou a política e a<br />

eco<strong>no</strong>mia modernas como profunda e íntrinsecamente niilistas. Algumas das imagens e análises de Nietzsche,<br />

nessa oportunidade, têm uma surpreende coloração m<strong>ar</strong>xista. Veja-se a seção 63, sobre as conseqüências<br />

espirituais, positivas e negativas “da existência do cr<strong>é</strong>dito, de um mercado mundial de trocas e de meios de<br />

produção”; a seção 67, sobre a “fragmentação de propriedades rurais, (...) os jornais (em substituição às preces<br />

diárias), a ferrovia, o tel<strong>é</strong>grafo. A centralização de e<strong>no</strong>rme quantidade de interesses em uma única alma, <strong>que</strong> por<br />

isso precisa ser muito forte e prot<strong>é</strong>ica”. Mas essas conexões entre a alma moderna e a moderna eco<strong>no</strong>mia nunca<br />

cheg<strong>ar</strong>am a ser desenvolvidas por Nietzsche e (com r<strong>ar</strong>as exceções) jamais foram se<strong>que</strong>r citadas por seus<br />

seguidores.<br />

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