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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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mundo, sugeriram <strong>que</strong>, quais<strong>que</strong>r <strong>que</strong> fossem as qualidades <strong>que</strong> faltassem à<br />

humanidade contemporânea, <strong>no</strong>ssa capacidade p<strong>ar</strong>a a empatia era imensa.<br />

Desafortunadamente, apresentações como essas c<strong>ar</strong>ecem da profundidade p<strong>ar</strong>a<br />

transform<strong>ar</strong> a empatia em compreensão. Ambos os trabalhos apresentam versões<br />

extravagantemente idealizadas do passado <strong>é</strong>tnico e famili<strong>ar</strong>, em <strong>que</strong> todos os<br />

antepassados são belos, <strong>no</strong>bres e heróicos — e toda a dor, ódio e confusão derivam de<br />

grupos de opressores “exter<strong>no</strong>s”. Isso contribui me<strong>no</strong>s p<strong>ar</strong>a uma consciência <strong>é</strong>tnica<br />

moderna <strong>que</strong> p<strong>ar</strong>a um gênero tradicional de romance famili<strong>ar</strong>.<br />

Mas os fatos reais tamb<strong>é</strong>m podiam ser encontrados <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 70. A investigação mais<br />

impressionante da memória <strong>é</strong>tnica nesse período foi, acredito, a obra de Maxine Hong<br />

Kingston, Woman W<strong>ar</strong>rior (“Mulher Guerreira”). P<strong>ar</strong>a Kingston, a imagem essencial do<br />

passado famili<strong>ar</strong> e <strong>é</strong>tnico não são as raízes mas os fantasmas: seu livro tem o subtítulo<br />

“Memórias de um tempo de menina entre fantasmas”. 17 A imaginação de Kingston está<br />

saturada da história e do folclore, da mitologia e da superstição chineses. Ela consegue<br />

transmitir uma vivida id<strong>é</strong>ia da beleza e integridade da vida aldeã na China (a vida de<br />

seus pais), antes da Revolução. Ao mesmo tempo, faz-<strong>no</strong>s sentir os horrores de tal<br />

existência: o livro se inicia com o linchamento de sua tia grávida e prossegue atrav<strong>é</strong>s de<br />

uma s<strong>é</strong>rie assustadora de crueldades socialmente impostas, abando<strong>no</strong>s, traições e<br />

assassinatos. Ela se sente assaltada pelos fantasmas de um passado de vítimas, cuja<br />

c<strong>ar</strong>ga assume ao escrever sobre esse passado; comp<strong>ar</strong>tilha com os pais o mito de uma<br />

Am<strong>é</strong>rica como país de fantasmas, multidões de fantasmas brancos a um só tempo<br />

irreais e magicamente poderosos; teme aos próprios pais como fantasmas — depois de<br />

trinta a<strong>no</strong>s, ela ainda não está certa de saber os <strong>no</strong>mes reais desses imigrantes,<br />

permanecendo portanto incerta quanto a seu próprio <strong>no</strong>me —, assaltada por pesadelos<br />

ancestrais dos quais demor<strong>ar</strong>á toda uma vida p<strong>ar</strong>a despert<strong>ar</strong>; ela vê a si própria se<br />

metamorfoseando em um fantasma, perdendo sua realidade corporal ao mesmo tempo<br />

em <strong>que</strong> aprende a perambul<strong>ar</strong> pelo mundo espectral, “a fazer coisas espectrais melhor<br />

<strong>que</strong> os próprios espectros” — a escrever livros como esse.<br />

Kingston tem a capacidade de cri<strong>ar</strong> cenas individuais (sejam reais ou míticas, passadas<br />

ou presentes, imaginárias ou diretamente vividas) <strong>no</strong>tavelmente diretas e<br />

lumi<strong>no</strong>samente cl<strong>ar</strong>as. Por<strong>é</strong>m, a relação entre as diferentes dimensões de seu ser<br />

nunca <strong>é</strong> integrada ou elaborada; à medida <strong>que</strong> guinamos de um p<strong>ar</strong>a outro pla<strong>no</strong>,<br />

sentimos <strong>que</strong> a operação da vida e da <strong>ar</strong>te ainda está em processo, <strong>que</strong> ela ainda a<br />

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