26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Assim, em “Uivo”, de Allen Ginsberg:<br />

294<br />

Que esfinge de cimento e alumínio abriu seus crânios e devorou seus<br />

c<strong>é</strong>rebros e imaginação? (...)<br />

Moloch prisão incompreensível! Moloch cárcere desuma<strong>no</strong> de ossos<br />

cruzados e congresso de mágoas! Moloch cujas construções são<br />

sentenças! (...)<br />

Moloch cujos olhos são milh<strong>ar</strong>es de janelas cegas! Moloch cujos <strong>ar</strong>ranhac<strong>é</strong>us<br />

erguem-se nas ruas como Jeovás infinitos! Moloch cujas fábricas<br />

sonham e se lamentam na n<strong>é</strong>voa! Moloch cujas chamin<strong>é</strong>s e antenas<br />

coroam as cidades! (...)<br />

Moloch! Moloch! Ap<strong>ar</strong>tamentos de robôs! subúrbios invisíveis! tesouros de<br />

es<strong>que</strong>letos! cegas capitais! indústrias demoníacas! nações espectrais!<br />

manicômios invencíveis! líderes de granito!<br />

Eles são esmagados ao alç<strong>ar</strong> Moloch ao P<strong>ar</strong>aíso! Calçamentos, árvores,<br />

rádios, toneladas! içando a cidade ao P<strong>ar</strong>aíso <strong>que</strong> existe e está em toda<br />

p<strong>ar</strong>te sobre nós! (...)<br />

Moloch <strong>que</strong> cedo entrou em minh’alma! Moloch <strong>no</strong> qual sou uma<br />

consciência sem corpo! Moloch <strong>que</strong> me aterrorizou, tirando-me de meu<br />

êxtase natural! Moloch <strong>que</strong> eu abando<strong>no</strong>! Reviver em Moloch! Luz <strong>que</strong><br />

emana do c<strong>é</strong>u!<br />

Ocorrem aí algumas coisas <strong>no</strong>táveis. Ginsberg <strong>no</strong>s exorta a experiment<strong>ar</strong> a vida<br />

moderna não como uma terra devastada e vazia mas como uma <strong>é</strong>pica e trágica batalha<br />

de gigantes. Essa visão investe o meio ambiente moder<strong>no</strong> e seus construtores de uma<br />

energia demoníaca e uma estatura histórica universal <strong>que</strong> provavelmente excede at<strong>é</strong><br />

mesmo aquilo <strong>que</strong> os Robert Moses desse mundo reivindic<strong>ar</strong>iam p<strong>ar</strong>a si próprios. Ao<br />

mesmo tempo, ela <strong>é</strong> concebida com o propósito de <strong>no</strong>s despert<strong>ar</strong>, aos leitores, p<strong>ar</strong>a<br />

<strong>que</strong> <strong>no</strong>s tornemos igualmente grandes, p<strong>ar</strong>a ampli<strong>ar</strong> <strong>no</strong>sso desejo e <strong>no</strong>ssa imaginação<br />

moral at<strong>é</strong> o ponto em <strong>que</strong> ous<strong>ar</strong>emos enfrent<strong>ar</strong> os gigantes. Por<strong>é</strong>m, não podemos fazê-<br />

lo at<strong>é</strong> <strong>que</strong> reconheçamos seus desejos e poderes em nós mesmos — “Moloch <strong>que</strong> cedo<br />

entrou em minh’alma”. Assim, Ginsberg desenvolve estruturas e processos de<br />

linguagem po<strong>é</strong>tica — uma interação entre lampejos lumi<strong>no</strong>sos e explosões de imagens<br />

mentais desesperadas e o acúmulo solene, repetitivo e encantador de linha sobre linha<br />

— <strong>que</strong> lembram os <strong>ar</strong>ranha-c<strong>é</strong>us, as fábricas e as vias expressas por ele odiados e<br />

com eles rivalizam. Ironicamente, embora o poeta retrate o mundo da via expressa<br />

como a morte dos c<strong>é</strong>rebros e da imaginação, sua visão po<strong>é</strong>tica traz à luz a inteligência e<br />

a força imaginativa <strong>que</strong> lhe são subjacentes — na verdade, ela os traz à luz de forma<br />

mais plena do <strong>que</strong> os próprios construtores foram capazes de fazê-lo por seus m<strong>é</strong>ritos.<br />

310

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!