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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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pretendesse e estivesse apto a adapt<strong>ar</strong>-se ao mundo de Gretchen, ela própria não o<br />

desej<strong>ar</strong>ia e não o conseguiria. Movendo-se de maneira dramática em direção à sua<br />

vida, Fausto põe Gretchen em movimento, num curso determinado por ela mesma.<br />

Por<strong>é</strong>m, sua trajetória estava fadada a termin<strong>ar</strong> mal, por razões <strong>que</strong> Fausto devia ter<br />

antevisto: razões de sexo e razões de classe. Mesmo em um mundo de enclaves<br />

feudais, um homem com muito dinheiro e sem vínculos com a terra e a família, e sem<br />

ocupação, tem virtualmente uma ilimitada liberdade de movimento. Uma mulher pobre,<br />

atrelada à família, não tem qual<strong>que</strong>r liberdade de movimento. Está destinada a ver-se à<br />

mercê de homens <strong>que</strong> não têm comiseração por uma mulher <strong>que</strong> não conhece seu<br />

lug<strong>ar</strong>. No seu mundo fechado, loucura e m<strong>ar</strong>tírio são os únicos caminhos à sua<br />

disposição. Fausto, se chegou a aprender alguma coisa do desti<strong>no</strong> de Gretchen,<br />

aprende <strong>que</strong>, se deseja envolver-se com outros em benefício do desenvolvimento<br />

próprio, deve assumir p<strong>ar</strong>te da responsabilidade pelo desenvolvimento alheio — ou,<br />

antes, deve ser responsável pelos seus desti<strong>no</strong>s.<br />

Al<strong>é</strong>m disso, p<strong>ar</strong>a sermos justos com Fausto, devemos reconhecer <strong>que</strong> Gretchen deseja<br />

com intensidade ser condenada. Existe alguma coisa aterradoramente voluntária na<br />

maneira como ela morre: ela permite <strong>que</strong> <strong>tudo</strong> se volte contra si mesma. Sua auto-<br />

aniquilação talvez corresponda a loucura, mas ao mesmo tempo há algo aí de<br />

estranhamente heróico. A obstinação com <strong>que</strong> enfrenta a própria morte mostra-a como<br />

algo mais do <strong>que</strong> vítima indefesa, <strong>que</strong>r do amante, <strong>que</strong>r da sociedade: ela se torna um<br />

herói trágico, em seu ple<strong>no</strong> direito. Sua autodestruição <strong>é</strong> uma forma de<br />

autodesenvolvimento, tão autêntico quanto o do próprio Fausto. Tal como ele, ela está<br />

tentando ir al<strong>é</strong>m das limitadas fronteiras da família, da Igreja e da cidade, um mundo<br />

onde a devoção cega e a autocastração são os únicos caminhos da virtude. Por<strong>é</strong>m,<br />

enquanto ele procura escap<strong>ar</strong> do mundo medieval pela criação de <strong>no</strong>vos valores, ela<br />

toma a s<strong>é</strong>rio os velhos valores e tenta realmente viver à altura deles. Embora rejeite as<br />

convenções do mundo mater<strong>no</strong> como formas vazias, ela capta e ag<strong>ar</strong>ra o espírito <strong>que</strong><br />

subjaz a essas formas: um espírito de dedicação e empenho ativos, <strong>que</strong> tem a coragem<br />

moral de renunci<strong>ar</strong> a <strong>tudo</strong>, incluindo a própria vida, em <strong>no</strong>me da f<strong>é</strong> nas suas crenças<br />

mais fundas e <strong>que</strong>ridas. Fausto luta contra o velho mundo, de <strong>que</strong><br />

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ele se libertou, transformando-se em um <strong>no</strong>vo tipo de pessoa, <strong>que</strong> se afirma e se<br />

conhece, <strong>que</strong> na verdade se torna ela própria atrav<strong>é</strong>s de uma auto-expansão<br />

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