tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura
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Cage aceitou a subvenção do xá do Irã e montou espetáculos modernistas a poucas<br />
milhas de onde prisioneiros políticos gemiam e morriam, a falha de imaginação moral<br />
não foi apenas sua. O problema estava em <strong>que</strong> o modernismo pop nunca desenvolveu<br />
uma perspectiva crítica <strong>que</strong> pudesse escl<strong>ar</strong>ecer at<strong>é</strong> <strong>que</strong> ponto devia caminh<strong>ar</strong> essa<br />
abertura p<strong>ar</strong>a o mundo moder<strong>no</strong> e at<strong>é</strong> <strong>que</strong> ponto o <strong>ar</strong>tista moder<strong>no</strong> tem a obrigação de<br />
ver e denunci<strong>ar</strong> os limites dos poderes deste mundo. *<br />
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Todos os modernismos e antimodernismos dos a<strong>no</strong>s 60 se viram, portanto, seriamente<br />
comprometidos. Por<strong>é</strong>m, sua despojada plenitude, assim como sua intensidade e<br />
vitalidade de expressão, ger<strong>ar</strong>am uma linguagem comum, uma ambiência vibrante, um<br />
horizonte comum de experiência e desejo. Todas essas visões e revisões da<br />
modernidade constituíram orientações ativas em relação à história, tentativas de<br />
conect<strong>ar</strong> o conturbado presente com o passado e o futuro, a fim de ajud<strong>ar</strong> homens e<br />
mulheres de todo o mundo contemporâneo a se sentirem em casa nesse mundo. Todas<br />
essas iniciativas falh<strong>ar</strong>am, mas nasceram da l<strong>ar</strong>gueza de vistas e de imaginação e de<br />
um <strong>ar</strong>dente desejo de se atualiz<strong>ar</strong>. Foi a ausência de tais visões e iniciativas generosas<br />
<strong>que</strong> fez dos a<strong>no</strong>s 70 uma d<strong>é</strong>cada insípida. Virtualmente ningu<strong>é</strong>m hoje p<strong>ar</strong>ece<br />
interessado em estabelecer as amplas conexões humanas <strong>que</strong> a id<strong>é</strong>ia de modernidade<br />
implica. Por isso, o discurso e a controv<strong>é</strong>rsia sobre o sentido da modernidade, tão<br />
acesos dez a<strong>no</strong>s atrás, praticamente deix<strong>ar</strong>am de existir.<br />
* A propósito do niilismo pop, era sua forma mais descontraída, considere-se o humor negro desse<br />
monólogo do <strong>ar</strong>quiteto Philip Johnson, ao ser entrevistado por Susan Sontag p<strong>ar</strong>a a BBC, em 1965:<br />
SONTAG: Eu acho, eu acho <strong>que</strong> em Nova Ior<strong>que</strong> o seu senso est<strong>é</strong>tico se desenvolve de uma forma curiosa,<br />
bem mais moderna do <strong>que</strong> em qual<strong>que</strong>r outra p<strong>ar</strong>te. Quando você vivência moralmente as coisas, isso<br />
provoca um estado de contínua indignação e horror, mas (eles riem), quando se tem uma esp<strong>é</strong>cie muito<br />
moderna de...<br />
JOHNSON: Você acredita <strong>que</strong> o senso de moral pode mud<strong>ar</strong>, pelo fato de <strong>que</strong> não podemos us<strong>ar</strong> a moral<br />
p<strong>ar</strong>a julg<strong>ar</strong> esta cidade, por<strong>que</strong> não podemos suportá-la? E <strong>que</strong> estamos mudando todo o <strong>no</strong>sso sistema<br />
moral p<strong>ar</strong>a adaptá-lo ao fato de <strong>que</strong> vivemos de uma maneira ridícula?<br />
SONTAG: Bem, eu acho <strong>que</strong> estamos tomando consciência dos limites de, da experiência moral das coisas.<br />
Eu acho <strong>que</strong> <strong>é</strong> possível ser est<strong>é</strong>tico...<br />
JOHNSON: P<strong>ar</strong>a simplesmente degust<strong>ar</strong> as coisas como elas são — o <strong>que</strong> vemos <strong>é</strong> uma beleza inteiramente<br />
diferente da <strong>que</strong> (Lewis) Mumford pôde ver.<br />
SONTAG: Bem, eu acho, eu julgo por mim mesma <strong>que</strong> agora eu vejo as coisas de uma maneira dividida, ao<br />
mesmo tempo moral e...<br />
JOHNSON: Que benefício traz a você acredit<strong>ar</strong> em coisas boas?<br />
SONTAG: Por<strong>que</strong> eu...<br />
JOHNSON: Isso <strong>é</strong> feudalismo e futilidade. Eu acho melhor ser niilista e es<strong>que</strong>cer <strong>tudo</strong>. Quer dizer, eu sei <strong>que</strong><br />
sou atacado pela moralidade dos meus amigos, hum, mas na verdade p<strong>ar</strong>a <strong>que</strong> tanta agitação a propósito de coisa<br />
nenhuma?<br />
O monólogo de Johnson continua, infindável, entremeado de algumas tiradas perplexas de Sontag, <strong>que</strong>, não<br />
obstante pretendesse entr<strong>ar</strong> <strong>no</strong> jogo, não se permite d<strong>ar</strong> um beijo de despedida na moralidade. (Citado por<br />
Jencks, em Movimentos Moder<strong>no</strong>s em Arquitetura, p. 208-10.)<br />
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