tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura
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desmantelam como frágeis caniços, sacrificados pelas próprias forças do capitalismo<br />
<strong>que</strong> celebram. Ainda as mais belas e impressionantes construções burguesas e suas<br />
obras públicas são desc<strong>ar</strong>táveis, capitalizadas p<strong>ar</strong>a rápida depreciação e planejadas<br />
p<strong>ar</strong>a se torn<strong>ar</strong>em obsoletas; assim, estão mais próximas, em sua função social, de<br />
tendas e acampamentos <strong>que</strong> das “pirâmides egípcias, dos a<strong>que</strong>dutos roma<strong>no</strong>s, das<br />
catedrais góticas”. *<br />
Se atent<strong>ar</strong>mos p<strong>ar</strong>a as sóbrias cenas criadas pelos membros da <strong>no</strong>ssa burguesia,<br />
veremos o modo como eles realmente trabalham e atuam, veremos como esses <strong>sólido</strong>s<br />
cidadãos f<strong>ar</strong>iam o mundo em frangalhos, se isso pagasse bem. Assim como assustam a<br />
todos com fantasias a respeito da voracidade e desejo de vingança do prolet<strong>ar</strong>iado, eles<br />
próprios, atrav<strong>é</strong>s de seus inesgotáveis empreendimentos, deslocam massas humanas,<br />
bens materiais e dinheiro p<strong>ar</strong>a cima e p<strong>ar</strong>a baixo pela Terra, e corroem e explodem os<br />
fundamentos da vida de todos em seu caminho. Seu segredo — <strong>que</strong> eles tentam<br />
esconder de si mesmos — <strong>é</strong> <strong>que</strong>, sob suas fachadas, constituem a classe dominante<br />
mais violentamente destruidora de toda a história. Todos os anárquicos, desmedidos e<br />
explosivos impulsos <strong>que</strong> a geração seguinte batiz<strong>ar</strong>á com o <strong>no</strong>me niilismo — impulsos<br />
<strong>que</strong> Nietzsche e seus seguidores irão imput<strong>ar</strong> a traumas cósmicos como a Morte de<br />
Deus — M<strong>ar</strong>x localiza na atividade cotidiana, ap<strong>ar</strong>entemente banal, da eco<strong>no</strong>mia de<br />
mercado. M<strong>ar</strong>x desmasc<strong>ar</strong>a os burgueses moder<strong>no</strong>s como consumados niilistas, em<br />
escala<br />
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* Engels, poucos a<strong>no</strong>s antes do Manifesto, em A Situação da Classe Operária na Inglaterra em 1844,<br />
escandalizou-se ao descobrir <strong>que</strong> as casas dos trabalhadores, erigidas por especuladores em busca de lucros<br />
rápidos, eram construídas p<strong>ar</strong>a dur<strong>ar</strong> apenas 40 a<strong>no</strong>s. Ele estava longe de suspeit<strong>ar</strong> <strong>que</strong> isso riria a se torn<strong>ar</strong> o<br />
padrão de construção na sociedade burguesa. Ironicamente, at<strong>é</strong> as mais esplêndidas mansões dos mais ricos<br />
capitalistas dur<strong>ar</strong>iam me<strong>no</strong>s de 40 a<strong>no</strong>s — não apenas em Manchester mas virtualmente em toda cidade capitalista<br />
—, alugadas ou vendidas p<strong>ar</strong>a empresários <strong>que</strong> as poriam abaixo, movidos pelos mesmos impulsos insaciáveis<br />
<strong>que</strong> os tinham levado a erguê-las. (A Quinta Avenida, em Nova Ior<strong>que</strong>, <strong>é</strong> um bom exemplo, mas isso pode ser<br />
observado em qual<strong>que</strong>r p<strong>ar</strong>te.) Levando em conta a rapidez e a brutalidade do desenvolvimento capitalista, a<br />
verdadeira surpresa não está <strong>no</strong> quanto de <strong>no</strong>ssa herança <strong>ar</strong>quitetônica foi destruído, mas <strong>no</strong> fato de <strong>que</strong> alguma<br />
coisa chegou a ser preservada.<br />
Apenas há pouco tempo pensadores m<strong>ar</strong>xistas começ<strong>ar</strong>am a explor<strong>ar</strong> esse tema. O especialista em geografia<br />
econômica David H<strong>ar</strong>vey, por exemplo, procura mostr<strong>ar</strong> em detalhes como a contínua e intencional destruição dos<br />
“espaços construídos” <strong>é</strong> inerente á acumulação de capital. Os escritos de H<strong>ar</strong>vey são amplamente conhecidos;<br />
p<strong>ar</strong>a uma lúcida introdução e análise, ver “Dez A<strong>no</strong>s da Nova Sociologia Urbana”, de Sh<strong>ar</strong>on Zukin (In: Teory<br />
and Society, jul. 1980, p. 57S-601).<br />
Ironicamente, os Estados comunistas fizeram bem mais <strong>que</strong> os capitalistas <strong>no</strong> tocante á preservação da substância<br />
do passado nas suas grandes cidades: Leningrado, Praga, V<strong>ar</strong>sóvia, Budapeste etc. Mas essa política decorre<br />
me<strong>no</strong>s do respeito pela beleza e a realização humana <strong>que</strong> do desejo de gover<strong>no</strong>s autocráticos de mobiliz<strong>ar</strong><br />
lealdades tradicionais, criando um fio de continuidade com as autocracias do passado.<br />
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