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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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pessoas — a própria família e os próprios amigos de Mandelstam, ao lado de<br />

personagens de sua infância. Esse fluxo de <strong>no</strong>stalgia de Petersburgo atua como uma<br />

poderosa força digressiva, pois <strong>é</strong> realizado com r<strong>ar</strong>o brilho e beleza. O Selo Egípcio <strong>é</strong><br />

especialmente evocativo da rica vida musical da cidade e — o <strong>que</strong> <strong>é</strong> mais original na<br />

tradição de Petersburgo — da vida de seus 100 mil judeus, esmagadoramente “homens<br />

comuns”, alfaiates e costureiras, negociantes de <strong>ar</strong>tigos de couro (como o pai de<br />

Mandelstam), relojoeiros e professores de música, vendedores de seguro, <strong>que</strong> sonham<br />

enquanto sorvem seu chá em suas pe<strong>que</strong>nas lojas ou <strong>no</strong>s caf<strong>é</strong>s do gueto (“a memória<br />

<strong>é</strong> uma menina judia enferma <strong>que</strong> escapule à <strong>no</strong>ite p<strong>ar</strong>a a estação Nicolau, pensando<br />

<strong>que</strong> talvez ap<strong>ar</strong>eça algu<strong>é</strong>m p<strong>ar</strong>a levá-la”) enri<strong>que</strong>cendo a cidade com tanto de seu calor<br />

e vibração.<br />

O <strong>que</strong> dá ao rio mandelstamia<strong>no</strong> da memória um pathos e uma agudeza especiais <strong>é</strong><br />

<strong>que</strong> <strong>no</strong> final dos a<strong>no</strong>s 20 muito do <strong>que</strong> ele evocava já não existia: as lojas vazias e<br />

cercadas de tábuas, as mobílias retiradas ou <strong>que</strong>imadas como lenha durante os<br />

inver<strong>no</strong>s desastrosos da Guerra Civil, as pessoas mortas ou dispersas — Petersburgo<br />

perdeu dois terços de sua população durante a Guerra Civil e uma d<strong>é</strong>cada depois<br />

apenas começ<strong>ar</strong>a a se recuper<strong>ar</strong> do cho<strong>que</strong>. Mesmo as ruas tinham sido levadas pelo<br />

vento: a Kameni-Ostrovski, onde vivia o herói de Mandelstam em 1917 (e onde o herói<br />

de Chernyshevski atirou à lama o dignitário meio s<strong>é</strong>culo antes), havia se tornado, <strong>no</strong><br />

tempo em <strong>que</strong> ele escrevia, em 1928 (ele não o menciona, mas <strong>é</strong> possível ver <strong>no</strong>s mapas<br />

da <strong>é</strong>poca e <strong>no</strong>s de hoje), a rua da Aurora Vermelha. Petersburgo, terra de tantas<br />

gerações de sonhadores, pass<strong>ar</strong>a a ser ela mesma um sonho.<br />

A história de Mandelstam tem de fato um herói: “Vivia em Petersburgo um homem<br />

comum com sapatos de couro de boa qualidade, <strong>que</strong> era desprezado pelos porteiros e<br />

pelas porteiras. Seu <strong>no</strong>me era P<strong>ar</strong><strong>no</strong>k. No início da primavera, ele saía à rua e andava a<br />

passo miúdo ao longo das calçadas ainda úmidas com seus pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s cascos de<br />

c<strong>ar</strong>neiro”. A história de P<strong>ar</strong><strong>no</strong>k começa quase como um conto de fadas, e esse herói<br />

comum <strong>é</strong> dotado de uma adequada realidade et<strong>é</strong>rea. “Desde a infância, ele se devot<strong>ar</strong>a<br />

a <strong>tudo</strong> o <strong>que</strong> fosse inútil, metamorfoseando a tag<strong>ar</strong>elice sobre a vida dentro dos bondes<br />

em acontecimentos de relevo, e quando começava a se apaixon<strong>ar</strong> tentava escl<strong>ar</strong>ecer as<br />

mulheres sobre isso, mas elas não o compreendiam, e ele se vingava dirigindo-se-lhes<br />

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numa linguagem áspera, bombástica e esquisita e falando exclusivamente dos<br />

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