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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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de pureza espiritual, ele tamb<strong>é</strong>m tenderá a perdê-la, mais provavelmente cedo do <strong>que</strong><br />

t<strong>ar</strong>de, pelas mesmas razões <strong>que</strong> lev<strong>ar</strong>am o modernista a perdê-la: ele será forçado a se<br />

desfazer do equilíbrio, das mesuras e do decoro e a aprender a graça dos movimentos<br />

bruscos p<strong>ar</strong>a sobreviver. Mais uma vez, não importa quão opostos o modernista e o<br />

antimodernista julguem ser: <strong>no</strong> lodaçal de macadame e segundo o ponto de vista do<br />

tráfego interminável, eles são um só.<br />

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Ironias geram mais ironias. O poeta de Baudelaire se <strong>ar</strong>remessa de encontro ao “caos”<br />

do tráfego e se esforça não apenas por sobreviver, mas por manter a própria dignidade<br />

em meio ao esforço. Con<strong>tudo</strong>, seu modo de ação se assemelha à do autoderrotado,<br />

pois adiciona outra v<strong>ar</strong>iável imprevisível a uma totalidade já instável. Os cavalos e seus<br />

montadores, os veículos e seus condutores estão tentando ao mesmo tempo regul<strong>ar</strong> sua<br />

própria m<strong>ar</strong>cha e evit<strong>ar</strong> o cho<strong>que</strong> com os demais. Se, em meio a isso <strong>tudo</strong>, eles forem<br />

ainda forçados a esquiv<strong>ar</strong>-se dos pedestres <strong>que</strong>, a qual<strong>que</strong>r momento, podem<br />

<strong>ar</strong>remess<strong>ar</strong>-se na rua, seus movimentos se torn<strong>ar</strong>ão ainda mais incertos e, com isso,<br />

mais perigosos <strong>que</strong> antes. Logo, tentando opor-se ao caos, o indivíduo só faz agrav<strong>ar</strong><br />

esse mesmo caos.<br />

Mas essa mesma formulação sugere um caminho <strong>que</strong> talvez conduza p<strong>ar</strong>a al<strong>é</strong>m da<br />

ironia baudelaireana e p<strong>ar</strong>a fora do próprio caos. O <strong>que</strong> aconteceria se as multidões de<br />

homens e mulheres, aterrorizados pelo tráfego moder<strong>no</strong>, aprendessem a enfrentá-lo<br />

unidas? Isso acontecerá exatamente seis a<strong>no</strong>s após “A Perda de Halo” (e três a<strong>no</strong>s<br />

após a morte de Baudelaire), <strong>no</strong>s dias da Comuna em P<strong>ar</strong>is, em 1871, e <strong>no</strong>vamente<br />

em Petersburgo, em 1905 e em 1917, em Berlim, em 1918, em B<strong>ar</strong>celona, em 1936,<br />

em Budapeste, em 1956, outra vez em P<strong>ar</strong>is, em 1968, e em dezenas de cidades <strong>no</strong><br />

mundo todo, do tempo de Baudelaire at<strong>é</strong> hoje: o bulev<strong>ar</strong> será transformado de maneira<br />

abrupta em cenário de uma <strong>no</strong>va cena moderna primordial. Esta não será a esp<strong>é</strong>cie<br />

de cena <strong>que</strong> Napoleão e Haussmann gost<strong>ar</strong>iam de ver, não obstante será uma das<br />

cenas <strong>que</strong> a sua forma de urbanismo ajudou a cri<strong>ar</strong>.<br />

À medida <strong>que</strong> relemos velhas histórias, memórias e <strong>no</strong>velas, ou contemplamos velhas<br />

fotos ou <strong>no</strong>ticiários de cinema, ou encaminhamos <strong>no</strong>ssas próprias fugitivas memórias a<br />

1968, vemos classes e massas inteiras movendo-se na direção das ruas, unidas. Será<br />

possível discernir duas fases em suas atividades. Primeiro, as pessoas p<strong>ar</strong>am e viram<br />

de roda p<strong>ar</strong>a o <strong>ar</strong> os veículos em seu caminho, deixando os cavalos em liberdade: aqui<br />

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