26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

mesmo; o heróico homem de negócios, como o perfumista de Balzac, Birotteau, lutando<br />

contra o espectro da falência, esforçando-se por reabilit<strong>ar</strong> não apenas seu cr<strong>é</strong>dito mas<br />

sua vida, toda a sua identidade pessoal; respeitáveis patifes, como Rastignac, capazes<br />

de <strong>tudo</strong> — das mais desprezíveis às mais <strong>no</strong>bres ações — ao longo de seu caminho em<br />

direção ao alto; Vautrin, <strong>que</strong> freqüenta as alturas do poder bem como as baixezas do<br />

submundo e exibe desenvolta intimidade com os dois ambientes. “Tudo isso deixa<br />

transp<strong>ar</strong>ecer uma <strong>no</strong>va e especial beleza, <strong>que</strong> não <strong>é</strong> nem a de Aquiles nem a de<br />

Agame<strong>no</strong>n.” De fato, diz Baudelaire — com uma retória destinada a ultraj<strong>ar</strong> a<br />

sensibilidade neoclássica de muitos de seus leitores franceses —, “os heróis da Ilíada<br />

são como pigmeus, comp<strong>ar</strong>ados a vocês, Vautrin, Rastignac, Birotteau (...) e a você,<br />

Ho<strong>no</strong>r<strong>é</strong> de Balzac, você, o mais heróico, o mais extraordinário, o mais romântico e o<br />

mais po<strong>é</strong>tico de todos os heróis produzidos por sua imaginação”. No geral, a vida<br />

p<strong>ar</strong>isiense contemporânea “<strong>é</strong> rica em assuntos po<strong>é</strong>ticos e m<strong>ar</strong>avilhosos. O m<strong>ar</strong>avilhoso<br />

<strong>no</strong>s envolve e <strong>no</strong>s embebe como uma atmosfera, mas não o vemos”. Há vários pontos<br />

importantes a observ<strong>ar</strong> aqui. Primeiro, o l<strong>ar</strong>go espectro da simpatia e generosidade de<br />

Baudelaire, muito diferente da imagem convencional de uma vangu<strong>ar</strong>da s<strong>no</strong>b <strong>que</strong> não<br />

tem senão desprezo pelas pessoas comuns e suas ocupações. Devemos observ<strong>ar</strong>,<br />

nesse contexto, <strong>que</strong> Balzac, o único <strong>ar</strong>tista na galeria baudelaireana de heróis<br />

moder<strong>no</strong>s, não <strong>é</strong> da<strong>que</strong>les <strong>que</strong> tratam de se manter distantes das pessoas comuns,<br />

mas, antes, mergulha mais fundo na sua vida do <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r <strong>ar</strong>tista já o havia feito<br />

antes e retorna com uma visão do anônimo heroísmo dessa vida. Por fim, <strong>é</strong> crucial<br />

observ<strong>ar</strong> o uso da fluidez (“existências fluidas”) e da qualidade atmosf<strong>é</strong>rica (“o<br />

m<strong>ar</strong>avilhoso <strong>no</strong>s envolve e <strong>no</strong>s embebe como uma atmosfera”), como símbolos das<br />

c<strong>ar</strong>acterísticas específicas da vida moderna. Fluidez e qualidade atmosf<strong>é</strong>rica<br />

140<br />

se torn<strong>ar</strong>ão atributos fundamentais na pintura, na <strong>ar</strong>quitetura e <strong>no</strong> design, na música e<br />

na literatura modernistas, autoconscientes, <strong>que</strong> emergirão <strong>no</strong> fim do s<strong>é</strong>culo XIX. Tais<br />

atributos serão encontrados, tamb<strong>é</strong>m, <strong>no</strong>s mais profundos moralistas e pensadores<br />

sociais da geração de Baudelaire, e posteriores — M<strong>ar</strong>x, Kierkega<strong>ar</strong>d, Dostoievski,<br />

Nietzsche — p<strong>ar</strong>a os quais o fato básico da vida moderna <strong>é</strong> o fato de <strong>que</strong>, como se lê<br />

<strong>no</strong> Manifesto Comunista, “<strong>tudo</strong> o <strong>que</strong> <strong>é</strong> <strong>sólido</strong> <strong>desmancha</strong> <strong>no</strong> <strong>ar</strong>”.<br />

O ensaio “O Pintor da Vida Moderna” <strong>é</strong> minado pelo namoro pastoral de Baudelaire<br />

com a insipidez da vie elegante. No entanto, ele oferece algumas imagens brilhantes e<br />

142

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!