26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

degradação, <strong>tudo</strong> quanto seja abominável e repugnante. Na dicção oratória e po<strong>é</strong>tica<br />

clássica, trata-se de uma forma “elevada” de descrever algo<br />

155<br />

“baixo”. Como tal, envolve toda uma hier<strong>ar</strong>quia cósmica, uma estrutura de <strong>no</strong>rmas e<br />

valores não apenas est<strong>é</strong>ticos mas metafísicos, <strong>é</strong>ticos, políticos. La fange pode<br />

represent<strong>ar</strong> o nascedouro de um universo moral cujo ápice <strong>é</strong> simbolizado pelo “halo”. A<br />

ironia está em <strong>que</strong>, caindo na fange, o halo do poeta não está perdido por inteiro, pois,<br />

desde <strong>que</strong> a imagem mantenha alguma força e sentido — <strong>que</strong> <strong>é</strong> nitidamente o caso,<br />

<strong>no</strong> poema de Baudelaire —, o velho cosmos hierárquico est<strong>ar</strong>á de alguma forma<br />

presente <strong>no</strong> mundo moder<strong>no</strong>. Todavia presente de modo precário. O sentido do<br />

macadame <strong>é</strong> radicalmente destrutivo, <strong>que</strong>r em relação ao lodaçal, <strong>que</strong>r em relação ao<br />

halo: ele pavimenta por igual o elevado e o baixo.<br />

Podemos ir ainda mais fundo <strong>no</strong> macadame: cabe <strong>no</strong>t<strong>ar</strong>, de início, <strong>que</strong> a palavra não <strong>é</strong><br />

francesa. De fato, a palavra deriva de John McAdam, de Glasgow, o inventor<br />

setecentista da moderna superfície de pavimentação. Talvez seja a primeira palavra<br />

dessa língua <strong>que</strong> os franceses do s<strong>é</strong>culo XX satiricamente cham<strong>ar</strong>ão de Franglais:<br />

pavimenta o caminho <strong>que</strong> leva a le p<strong>ar</strong>king, le shopping, le weekend, le drugstore, le<br />

mobile-home, e muito mais. Essa linguagem <strong>é</strong> assim vital e atraente por<strong>que</strong> <strong>é</strong> a<br />

linguagem internacional da modernização. Seus neologismos são poderosos veículos<br />

de <strong>no</strong>vas formas de vida e movimento. Tais palavras podem p<strong>ar</strong>ecer dissonantes e<br />

excêntricas, con<strong>tudo</strong> <strong>é</strong> tão fútil resistir a elas quanto resistir à própria iminência da<br />

modernização. É verdade <strong>que</strong> muitas nações e classes dominantes se sentem — e<br />

com razão — ameaçadas pela invasão de <strong>no</strong>vas palavras, e objetos, de outras plagas. *<br />

(Existe uma esplêndida e p<strong>ar</strong>anóica palavra sovi<strong>é</strong>tica <strong>que</strong> expressa esse medo:<br />

infiltrazya.) Por<strong>é</strong>m, <strong>é</strong> preciso observ<strong>ar</strong> <strong>que</strong> aquilo <strong>que</strong> as nações em geral têm feito, dos<br />

tempos de Baudelaire at<strong>é</strong> hoje, <strong>é</strong>, após uma breve onda, ou demonstração, de<br />

resistência, não apenas aceit<strong>ar</strong> o <strong>no</strong>vo objeto, mas cri<strong>ar</strong> uma palavra própria p<strong>ar</strong>a<br />

designá-lo, na esperança de eclips<strong>ar</strong> a memória emb<strong>ar</strong>açosa do subdesenvolvimento.<br />

(Após recus<strong>ar</strong>-se <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 60 a admitir le p<strong>ar</strong>king meter na língua francesa, a<br />

Academia Francesa cunhou e rapidamente ca<strong>no</strong>nizou le p<strong>ar</strong>cmètre, na d<strong>é</strong>cada<br />

seguinte.)<br />

* No s<strong>é</strong>culo XIX, o principal transmissor de modernização foi a Inglaterra, <strong>no</strong> s<strong>é</strong>culo XX têm sido os Estados<br />

Unidos. Os mapas de poder mud<strong>ar</strong>am, mas a primazia da língua inglesa — a me<strong>no</strong>s pura, a mais flexível e<br />

adaptável das línguas modernas — <strong>é</strong> maior do <strong>que</strong> nunca. Talvez sobreviva ao declínio do imp<strong>é</strong>rio america<strong>no</strong>.<br />

159

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!