26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

do dia e pela <strong>no</strong>ite adentro, trazendo as crianças de volta a casa depois da escola e os<br />

adultos do trabalho, expondo à luz uma profusão de <strong>no</strong>vos personagens — homens de<br />

negócio, estivadores, jovens e velhos boêmios, solitários esp<strong>ar</strong>sos — à medida <strong>que</strong><br />

entram e passam pela rua à busca de comida, bebida, diversão, amor ou sexo.<br />

Gradativamente, a vida da rua <strong>ar</strong>refece, mas nunca pára. “Conheço o bale da <strong>no</strong>ite alta<br />

e seus momentos propícios por acord<strong>ar</strong> bem depois da meia-<strong>no</strong>ite p<strong>ar</strong>a vel<strong>ar</strong> um bebê<br />

e sent<strong>ar</strong> <strong>no</strong> escuro, observando as sombras, de ouvidos atentos aos sons da calçada. “<br />

Ela afi<strong>no</strong>u a si própria p<strong>ar</strong>a esses ruídos: “Há às vezes aspereza e ódio, ou um pranto<br />

triste, (...) por volta das três da madrugada soa um lindo canto. “ Uma gaita de foles<br />

lá fora? De onde vem <strong>que</strong>m a toca e p<strong>ar</strong>a onde se dirige? Ela nunca saberá; mas essa<br />

própria constatação, de <strong>que</strong> a vida da rua <strong>é</strong> inesgotavelmente rica, e apreendê-la<br />

independe da sua capacidade (ou da de qual<strong>que</strong>r outra pessoa), ajuda-a a ter um<br />

so<strong>no</strong> tranqüilo.<br />

Esta celebração da vitalidade urbana, de sua diversidade e plenitude, <strong>é</strong> na verdade,<br />

como procurei mostr<strong>ar</strong>, um dos temas mais antigos da cultura moderna. Por toda a era<br />

de Haussmann e Baudelaire, entrando <strong>no</strong> s<strong>é</strong>culo XX, essa fantasia urbana cristalizou-<br />

se em tor<strong>no</strong> da rua, <strong>que</strong> emergiu como símbolo fundamental da vida moderna. Da<br />

“Rua Principal” (Main Street) das pe<strong>que</strong>nas cidades à “Grande Via Branca” ou à “Rua<br />

do Sonho” das metrópoles, a rua foi experimentada como um meio <strong>no</strong> qual a totalidade<br />

das forças materiais e espirituais modernas podia se encontr<strong>ar</strong>, choc<strong>ar</strong>-se e se mistur<strong>ar</strong><br />

p<strong>ar</strong>a produzir seus desti<strong>no</strong>s e significados últimos. Era isso o <strong>que</strong> o Stephen Dedalus<br />

de Joyce tinha em mente com sua enigmática sugestão de <strong>que</strong> Deus estava lá fora, <strong>no</strong><br />

“grito da rua”.<br />

Entretanto, os construtores do “movimento moder<strong>no</strong>” do período posterior à Primeira<br />

Guerra Mundial, na <strong>ar</strong>quitetura e <strong>no</strong> urbanismo, volt<strong>ar</strong>am-se radicalmente contra essa<br />

fantasia moderna: m<strong>ar</strong>ch<strong>ar</strong>am ao comando do grito de guerra de Le Corbusier:<br />

“Precisamos mat<strong>ar</strong> a rua”. Foi a sua visão moderna <strong>que</strong> triunfou na grande onda de<br />

reconstrução e retomada do desenvolvimento iniciada após a Segunda Guerra Mundial.<br />

Durante vinte a<strong>no</strong>s, as ruas foram por toda a p<strong>ar</strong>te, na melhor das hipóteses,<br />

passivamente abandonadas e com freqüência (como <strong>no</strong> Bronx) ativamente destruídas.<br />

O dinheiro e a energia foram canalizados p<strong>ar</strong>a as <strong>no</strong>vas auto-estradas e p<strong>ar</strong>a o vasto<br />

sistema de p<strong>ar</strong><strong>que</strong>s industriais, shopping-centers e cidades-dormitório <strong>que</strong> as rodovias<br />

estavam inaugurando. Ironicamente, então, <strong>no</strong> curto espaço de uma geração, a rua,<br />

316

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!