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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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apresentam estão a a<strong>no</strong>s-luz de distância. Uma das diferenças mais <strong>no</strong>táveis <strong>é</strong><br />

<strong>que</strong> a Petersburgo de Gogol p<strong>ar</strong>ece totalmente despolitizada: o confronto<br />

absoluto e trágico <strong>que</strong> Puchkin estabelece entre o homem comum e a autoridade<br />

central não tem lug<strong>ar</strong> <strong>no</strong> conto de Gogol. E isso não se deve apenas a<br />

sensibilidades distintas (embora de fato o sejam), mas tamb<strong>é</strong>m ao fato de <strong>que</strong><br />

Gogol tenta express<strong>ar</strong> o espírito de um espaço urba<strong>no</strong> muito diferente. O Projeto<br />

Nevski era, realmente, o único lug<strong>ar</strong> de Petersburgo <strong>que</strong> tinha se desenvolvido ou<br />

estava se desenvolvendo independente do Estado. Era talvez o único lug<strong>ar</strong><br />

público onde os petersburguenses podiam se apresent<strong>ar</strong> e interagir sem ter de<br />

olh<strong>ar</strong> p<strong>ar</strong>a trás e ouvir os cascos do Cavaleiro de Bronze. Essa era a causa<br />

principal da aura de liberdade <strong>que</strong> a rua desfrutava — em especial <strong>no</strong> regime de<br />

Nicolau, quando a presença do Estado era tão uniformemente rígida. Con<strong>tudo</strong>, a<br />

despolitização da Nevski tamb<strong>é</strong>m tor<strong>no</strong>u sua luz mágica irreal, sua aura de<br />

liberdade algo semelhante a uma miragem. Nessa rua, os petersburguenses<br />

podiam se sentir como indivíduos livres; por<strong>é</strong>m, na realidade, achavam-se<br />

confinados <strong>no</strong>s pap<strong>é</strong>is sociais impostos pela sociedade mais rigidamente<br />

estratificada da Europa. E essa realidade podia irromper mesmo em meio à<br />

lumi<strong>no</strong>sidade enga<strong>no</strong>sa da rua. Por um breve momento, como <strong>que</strong><br />

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um slide solitário numa projeção, Gogol <strong>no</strong>s deixa ver os fatos latentes da vida<br />

russa:<br />

A posição a <strong>que</strong> (o tenente Pirogov) havia sido recentemente promovido<br />

lhe agradava, e, embora algumas vezes, esticando-se <strong>no</strong> sofá, dissesse<br />

“Vaidade, <strong>tudo</strong> <strong>é</strong> vaidade! E daí se sou tenente?”, a <strong>no</strong>va dignidade<br />

secretamente o lisonjeava e ele procurava, dissimuladamente, sugeri-la<br />

na conversa. Uma vez, quando encontrou na rua um funcionário <strong>que</strong> lhe<br />

p<strong>ar</strong>eceu rude, ele imediatamente o p<strong>ar</strong>ou e o fez ver, em poucas palavras,<br />

<strong>que</strong> era um tenente a <strong>que</strong>m se dirigia, e não me<strong>no</strong>s <strong>que</strong> isso — ele tentou<br />

expressá-lo, e mais eloqüentemente, por<strong>que</strong> nesse momento duas jovens<br />

bastante atraentes estavam passando.<br />

Nessa passagem Gogol, na forma rápida <strong>que</strong> lhe <strong>é</strong> típica, mostra-<strong>no</strong>s aquilo <strong>que</strong><br />

se torn<strong>ar</strong>á a cena principal da vida e literatura de Petersburgo: o confronto entre<br />

oficial e funcionário. O oficial, representante da classe governante russa, exige do<br />

funcionário uma qualidade de respeito <strong>que</strong> nem sonha retribuir. Por ora, ele tem<br />

sucesso: coloca o funcionário <strong>no</strong> devido lug<strong>ar</strong>. O funcionário a passeio pela<br />

Nevski escapou do setor “oficial” da cidade, próximo ao Neva e ao palácio,<br />

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