26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Baudelaire sabia como escrever <strong>no</strong> mais puro e elegante francês clássico. Aqui, por<strong>é</strong>m,<br />

em “A Perda do Halo”, ele se projeta em uma <strong>no</strong>va e emergente linguagem, p<strong>ar</strong>a cri<strong>ar</strong><br />

<strong>ar</strong>te a p<strong>ar</strong>tir das dissonâncias e incongruências <strong>que</strong> permeiam — e p<strong>ar</strong>adoxalmente<br />

unem — todo o mundo moder<strong>no</strong>. “Em lug<strong>ar</strong> da velha reclusão e auto-suficiência<br />

156<br />

nacionais”, diz o Manifesto, a moderna sociedade burguesa <strong>no</strong>s traz “um intercâmbio<br />

em todas as direções, a universal interdependência das nações. Não apenas na<br />

produção material, mas tamb<strong>é</strong>m na intelectual. As criações das nações se torn<strong>ar</strong>ão” —<br />

rep<strong>ar</strong>e-se nessa imagem, p<strong>ar</strong>adoxal <strong>no</strong> mundo burguês — “propriedade comum”. M<strong>ar</strong>x<br />

prossegue: “A unilateralidade e o bitolamento nacionais se torn<strong>ar</strong>ão cada vez mais<br />

impossíveis, e das numerosas literaturas locais e nacionais brot<strong>ar</strong>á uma literatura<br />

mundial”. O lodaçal de macadame virá a ser um dos fundamentos a p<strong>ar</strong>tir dos quais<br />

brot<strong>ar</strong>á a <strong>no</strong>va literatura mundial do s<strong>é</strong>culo XX. 26<br />

Mas ainda há outras ironias nessa cena primordial. O halo <strong>que</strong> cai <strong>no</strong> lodaçal de<br />

macadame se vê ameaçado por<strong>é</strong>m não destruído; ao contrário, <strong>é</strong> c<strong>ar</strong>regado e<br />

incorporado ao fluxo geral do tráfego. Um dos mais eficazes expedientes da eco<strong>no</strong>mia<br />

de trocas, explica M<strong>ar</strong>x, <strong>é</strong> a interminável metamorfose de seus valores de mercado.<br />

Nessa eco<strong>no</strong>mia, <strong>tudo</strong> o <strong>que</strong> tiver preço sobreviverá, e nenhuma possibilidade humana<br />

poderá ser riscada, em definitivo, dos assentamentos; a cultura se torna um e<strong>no</strong>rme<br />

entreposto comercial onde <strong>tudo</strong> <strong>é</strong> mantido em esto<strong>que</strong>, na esperança de <strong>que</strong> algum dia,<br />

em algum lug<strong>ar</strong>, encontre comprador. Assim, o halo <strong>que</strong> o poeta moder<strong>no</strong> deixa cair<br />

(ou atira fora) como obsoleto talvez se metamorfoseie, em virtude de sua própria<br />

obsolescência, em um ícone, objeto de veneração <strong>no</strong>stálgica da p<strong>ar</strong>te da<strong>que</strong>les <strong>que</strong>,<br />

como os “maus poetas” X e Z, estejam tentando fugir da modernidade. Todavia o <strong>ar</strong>tista<br />

— ou o pensador, ou o político — anti-moder<strong>no</strong> encontra-se nas mesmas ruas, <strong>no</strong> mesmo<br />

lodaçal, como o <strong>ar</strong>tista moder<strong>no</strong>. Esse ambiente moder<strong>no</strong> serve como linha de ação ao<br />

mesmo tempo física e espiritual — fonte primária de mat<strong>é</strong>ria e energia — p<strong>ar</strong>a ambos.<br />

A diferença entre o modernista e o antimodernista, naquilo <strong>que</strong> importa aqui, <strong>é</strong> <strong>que</strong> o<br />

modernista se sente em casa nesse cenário, ao passo <strong>que</strong> o antimodernista percorre<br />

as ruas à procura de um caminho p<strong>ar</strong>a fora delas. No <strong>que</strong> diz respeito ao tráfego,<br />

por<strong>é</strong>m, não há nenhuma diferença entre eles: ambos são obstáculos e casualidades<br />

p<strong>ar</strong>a os cavalos e veículos cujos caminhos eles cruzam e cujo livre movimento impedem.<br />

Então, não importa quão acirradamente o antimodernista possa apeg<strong>ar</strong>-se à sua aura<br />

160

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!