26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O dualismo pela primeira vez esboçado aqui — visão antipastoral do mundo moder<strong>no</strong>,<br />

visão pastoral do <strong>ar</strong>tista moder<strong>no</strong> e sua <strong>ar</strong>te — se amplia e aprofunda <strong>no</strong> seu famoso<br />

ensaio de 1859, “O Público Moder<strong>no</strong> e a Fotografia”. 13 Baudelaire começa por se<br />

<strong>que</strong>ix<strong>ar</strong> de <strong>que</strong> “o gosto exclusivo do Verdadeiro (<strong>no</strong>bre aptidão, quando aplicada a<br />

seus fins próprios) oprime o gosto do Belo”. Esta <strong>é</strong> a retórica do equilíbrio, <strong>que</strong> resiste<br />

às ênfases exclusivas: a verdade <strong>é</strong> essencial, desde <strong>que</strong> não asfixie o desejo de beleza.<br />

Todavia, o senso de equilíbrio não dura muito: “Onde não se devia ver nada al<strong>é</strong>m de<br />

Beleza (<strong>no</strong> sentido de uma bela pintura), o público procura apenas a Verdade”. Como a<br />

fotografia <strong>é</strong> capaz de reproduzir a realidade com mais precisão do <strong>que</strong> nunca — p<strong>ar</strong>a<br />

mostr<strong>ar</strong> a “Verdade” —, esse <strong>no</strong>vo meio <strong>é</strong> “o inimigo mortal da <strong>ar</strong>te”, e, na medida em<br />

<strong>que</strong> o desenvolvimento da fotografia <strong>é</strong> produto<br />

136<br />

do progresso tec<strong>no</strong>lógico, “Poesia e progresso são como dois homens ambiciosos <strong>que</strong><br />

se odeiam. Quando seus caminhos se cruzam, um deles deve d<strong>ar</strong> passagem ao outro”.<br />

Mas por <strong>que</strong> inimigo mortal? Por <strong>que</strong> a presença da realidade, ou “verdade”, em uma<br />

obra de <strong>ar</strong>te deveria min<strong>ar</strong> ou destruir sua beleza? A resposta imediata, na qual<br />

Baudelaire acredita com tanta veemência (ao me<strong>no</strong>s nessa altura) <strong>que</strong> nem se<strong>que</strong>r<br />

ousa expressá-la com cl<strong>ar</strong>eza, <strong>é</strong> <strong>que</strong> a realidade moderna <strong>é</strong> intrinsecamente<br />

repugnante, vazia não só de beleza mas de qual<strong>que</strong>r potencial de beleza. Um<br />

desrespeito categórico, quase hist<strong>é</strong>rico, pelos homens moder<strong>no</strong>s e suas vidas anima<br />

decl<strong>ar</strong>ações como estas: “A multidão idolatra exige um ideal <strong>que</strong> lhe seja apropriado e<br />

compatível com o valor de sua natureza”. A p<strong>ar</strong>tir do momento em <strong>que</strong> a fotografia se<br />

desenvolveu, “<strong>no</strong>ssa sociedade esquálida, n<strong>ar</strong>cisista, correu p<strong>ar</strong>a admir<strong>ar</strong> sua imagem<br />

vulg<strong>ar</strong> em uma lâmina de metal”. A consistente discussão crítica sobre a<br />

representação da realidade, levada a efeito por Baudelaire, se vê comprometida por<br />

um desprezo acrítico pelas reais pessoas modernas em seu redor. Isso o conduz<br />

<strong>no</strong>vamente a uma concepção pastoral da <strong>ar</strong>te: “<strong>é</strong> inútil e tedioso represent<strong>ar</strong> o <strong>que</strong><br />

existe, por<strong>que</strong> nada do <strong>que</strong> existe me satisfaz. (...) Àquilo <strong>que</strong> <strong>é</strong> positivamente trivial,<br />

prefiro os monstros da minha fantasia”. Ainda piores <strong>que</strong> os fotógrafos, diz Baudelaire,<br />

são os moder<strong>no</strong>s pintores influenciados pela fotografia: cada vez mais, o pintor<br />

moder<strong>no</strong> “<strong>é</strong> dado a pint<strong>ar</strong> não o <strong>que</strong> ele sonha, mas o <strong>que</strong> vê”. O <strong>que</strong> dá a isso um teor<br />

pastoral, e acrítico, <strong>é</strong> o dualismo radical, <strong>é</strong> a profunda inconsciência de <strong>que</strong> pode haver<br />

relações ricas e complexas, plenas de influências mútuas e fusões, entre o <strong>que</strong> um<br />

138

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!