26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

do Subterrâneo. Sem Chemyshevski, seria difícil imagin<strong>ar</strong> essa cena — uma<br />

cena <strong>que</strong> <strong>é</strong>, na verdade, mais realista e mais revolucionária <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r coisa<br />

em Que Fazer?.<br />

A história começa t<strong>ar</strong>de da <strong>no</strong>ite, em “lug<strong>ar</strong>es completamente escuros”, longe da<br />

Nevski. Essa era uma fase da vida, explica o herói, em <strong>que</strong> “tinha pavor de ser<br />

visto, encontrado, ou mesmo reconhecido. Já trazia o subterrâneo na alma”. 31<br />

Por<strong>é</strong>m, subitamente, algo acontece <strong>que</strong> dele se apossa e abala a sua solidão.<br />

Ao pass<strong>ar</strong> por uma taverna, ouve e presencia um tumulto. Alguns homens<br />

lutavam, e, <strong>no</strong> clímax da luta, um deles foi atirado pela janela. Esse evento toma<br />

conta da imaginação do Homem do Subterrâneo e nele suscita o desejo de<br />

p<strong>ar</strong>ticip<strong>ar</strong> da vida — mesmo <strong>que</strong> seja de um modo.degradante e distorcido. Ele<br />

sente inveja do homem <strong>que</strong> foi atirado pela janela — talvez ele próprio se tenha<br />

deixado atir<strong>ar</strong> pela janela. Reconhece a perversidade de seu desejo, mas esse o<br />

faz sentir-se mais vivo, crucial p<strong>ar</strong>a ele: “mais vivo” <strong>que</strong> nunca. Agora, ao inv<strong>é</strong>s de<br />

temer o reconhecimento, ele anseia por ele, ainda <strong>que</strong> isso impli<strong>que</strong> surras e<br />

ossos <strong>que</strong>brados. Ele entra <strong>no</strong> recinto, procura o agressor — era, <strong>é</strong> cl<strong>ar</strong>o, um<br />

oficial, de cerca de um metro e oitenta de altura — e se aproxima do homem,<br />

disposto a caus<strong>ar</strong> encrenca. Por<strong>é</strong>m, o oficial reage de um modo <strong>que</strong> <strong>é</strong> muito mais<br />

destruidor <strong>que</strong> qual<strong>que</strong>r ata<strong>que</strong> físico:<br />

Eu estava p<strong>ar</strong>ado à mesa de bilh<strong>ar</strong> e, em minha ig<strong>no</strong>rância, blo<strong>que</strong>ando<br />

o caminho, e ele <strong>que</strong>ria pass<strong>ar</strong>; tomou-me pelos ombros e, sem uma<br />

palavra, sem um aviso ou explicação, moveu-me de onde estava p<strong>ar</strong>a<br />

outro lug<strong>ar</strong> e passou como se não tivesse me <strong>no</strong>tado. Eu perdo<strong>ar</strong>ia socos,<br />

mas não poderia perdo<strong>ar</strong> ele ter me movido e me ig<strong>no</strong>rado<br />

completamente.<br />

Das alturas onde o oficial se coloca, o funcionário insignificante nem <strong>é</strong> visível —<br />

ele está “lá” tanto quanto uma mesa ou cadeira. “P<strong>ar</strong>ecia <strong>que</strong> eu não era um igual<br />

nem p<strong>ar</strong>a ser atirado janela afora.” Por demais emb<strong>ar</strong>açado e humilhado p<strong>ar</strong>a<br />

protest<strong>ar</strong>, ele retorna às ruas anônimas. A primeira c<strong>ar</strong>acterística <strong>que</strong> m<strong>ar</strong>ca o<br />

Homem do Subterrâneo como um “homem <strong>no</strong>vo”, ou “homem dos a<strong>no</strong>s 60”, <strong>é</strong><br />

seu anseio por um cho<strong>que</strong> frontal, um encontro explosivo — mesmo <strong>que</strong> venha a<br />

ser a vítima desse encontro. Os primeiros personagens de Dostoievski, tais<br />

como Devushkin, ou colegas anti-heróis, como Oblomov de Gon-ch<strong>ar</strong>ov, teriam<br />

puxado os cobertores at<strong>é</strong> as orelhas e jamais deixado os qu<strong>ar</strong>tos, temendo<br />

encontros desse tipo. O Homem do Subterrâneo <strong>é</strong> muito mais dinâmico: nós o<br />

219

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!