26.04.2013 Views

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

o fato de <strong>que</strong> o homem moder<strong>no</strong> “jamais se mostr<strong>ar</strong>á bem trajado”, por<strong>que</strong> nenhum<br />

papel social <strong>no</strong>s tempos moder<strong>no</strong>s <strong>é</strong> p<strong>ar</strong>a ele um figuri<strong>no</strong> perfeito. A própria posição de<br />

Nietzsche em relação aos perigos da modernidade consiste em ab<strong>ar</strong>c<strong>ar</strong> <strong>tudo</strong> com<br />

alegria: “Nós moder<strong>no</strong>s, nós semibárb<strong>ar</strong>os. Nós só atingimos <strong>no</strong>ssa bem-aventurança<br />

quando estamos realmente em perigo. O único estímulo <strong>que</strong> efetivamente <strong>no</strong>s comove<br />

<strong>é</strong> o infinito, o incomensurável”. Mesmo assim, Nietzsche não almeja viver p<strong>ar</strong>a sempre<br />

em meio a esse perigo. Tão fervorosamente quanto M<strong>ar</strong>x, ele deposita sua f<strong>é</strong> em uma<br />

<strong>no</strong>va esp<strong>é</strong>cie de homem — “o homem do amanhã e do dia depois de amanhã” — <strong>que</strong>,<br />

“colocando-se em oposição ao seu hoje”, terá coragem e imaginação p<strong>ar</strong>a “cri<strong>ar</strong> <strong>no</strong>vos<br />

valores”, de <strong>que</strong> o homem e a mulher moder<strong>no</strong>s necessitam p<strong>ar</strong>a abrir seu caminho<br />

atrav<strong>é</strong>s dos perigosos infinitos em <strong>que</strong> vivem.<br />

Notável e peculi<strong>ar</strong> na voz <strong>que</strong> M<strong>ar</strong>x e Nietzsche comp<strong>ar</strong>tilham não <strong>é</strong> só o seu ritmo<br />

afogueado, sua vibrante energia, sua ri<strong>que</strong>za imaginativa, mas tamb<strong>é</strong>m sua rápida e<br />

brusca mudança de tom e inflexão, sua prontidão em volt<strong>ar</strong>-se contra si mesma,<br />

<strong>que</strong>stion<strong>ar</strong> e neg<strong>ar</strong> <strong>tudo</strong> o <strong>que</strong> foi dito, transform<strong>ar</strong> a si mesma em um l<strong>ar</strong>go espectro de<br />

vozes h<strong>ar</strong>mônicas ou dissonantes e distender-se p<strong>ar</strong>a al<strong>é</strong>m de sua capacidade na<br />

direção de um espectro sempre cada vez mais amplo, na tentativa de express<strong>ar</strong> e<br />

ag<strong>ar</strong>r<strong>ar</strong> um mundo onde <strong>tudo</strong> está impregnado de seu contrário, um mundo onde “<strong>tudo</strong><br />

o <strong>que</strong> <strong>é</strong> <strong>sólido</strong> <strong>desmancha</strong> <strong>no</strong> <strong>ar</strong>”. Essa voz ressoa ao mesmo tempo como<br />

autodescoberta e autotripúdio, como auto-satisfação e auto-incerteza. É uma voz <strong>que</strong><br />

conhece a dor e o terror, mas acredita na sua capacidade de ser bem-sucedida. Graves<br />

perigos estão em toda p<strong>ar</strong>te e podem eclodir a qual<strong>que</strong>r momento, por<strong>é</strong>m nem o<br />

ferimento mais profundo pode deter o fluxo e refluxo de sua energia. Irônica e<br />

contraditória, polifônica e dial<strong>é</strong>tica, essa voz denuncia a vida moderna em <strong>no</strong>me dos<br />

valores <strong>que</strong> a própria modernidade<br />

22<br />

criou, na esperança — não r<strong>ar</strong>o desesperançada — de <strong>que</strong> as modernidades do amanhã<br />

e do dia depois de amanhã possam cur<strong>ar</strong> os ferimentos <strong>que</strong> afligem o homem e a mulher<br />

moder<strong>no</strong>s de hoje. Todos os grandes modernistas do s<strong>é</strong>culo XIX — espíritos<br />

heterogêneos como M<strong>ar</strong>x e Kierkega<strong>ar</strong>d, Whitman e Ibsen, Baudelaire, Melville, C<strong>ar</strong>lyle,<br />

Stirner, Rimbaud, Strindberg, Dostoievski e muitos mais — falam nesse ritmo e nesse<br />

diapasão.<br />

O <strong>que</strong> aconteceu, <strong>no</strong> s<strong>é</strong>culo XX, ao modernismo do s<strong>é</strong>culo XIX? De vários modos,<br />

17

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!