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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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Dostoievski revela essa ambivalência pleb<strong>é</strong>ia admiravelmente. Qual<strong>que</strong>r plebeu<br />

se reconhecerá, ou se envergonh<strong>ar</strong>á, ao ver a necessidade e o amor abjeto <strong>que</strong><br />

tão freqüentemente se escondem sob <strong>no</strong>sso f<strong>ar</strong>isaico ódio e orgulho de classe.<br />

Essa ambivalência será dramatizada politicamente na geração seguinte, nas<br />

c<strong>ar</strong>tas ao cz<strong>ar</strong> da primeira geração de terroristas russos. 33 A tempestuosa<br />

alternância de amor e ódio do Homem do Subterrâneo encontra-se a mundos de<br />

distância da serena (ou<br />

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vazia) autoconfiança de Lopukhov. Entretanto, Dostoievski está atendendo à<br />

exigência de Chernyshevski quanto a um realismo russo muito superior ao do<br />

próprio Chernyshevski: ele mostra a profundidade real e a volatilidade da vida<br />

interior do homem <strong>no</strong>vo.<br />

O Projeto Nevski desempenha um papel complexo na vida interior do Homem do<br />

Subterrâneo. A rua <strong>ar</strong>rancou-o do isolamento e atirou-o ao sol e à multidão. Mas a<br />

vida na luz evocou <strong>no</strong>vas intensidades de sofrimento, <strong>que</strong> Dostoievski analisa<br />

com o seu usual virtuosismo:<br />

Às vezes, <strong>no</strong>s dias feriados, eu ia, entre três e quatro horas da t<strong>ar</strong>de, p<strong>ar</strong>a<br />

a Nevski. Isto <strong>é</strong>, não passeava absolutamente, mas experimentava<br />

sofrimentos sem conta, humilhações e ressentimentos; mas, sem dúvida,<br />

era justamente isso o <strong>que</strong> buscava. Esgueirava-me, como uma enguia, do<br />

modo mais feio, entre os transeuntes, cedendo incessantemente caminho<br />

ora a oficiais da caval<strong>ar</strong>ia ou dos huss<strong>ar</strong>dos, ora a senhoras. Nesses<br />

momentos, sentia dores convulsivas <strong>no</strong> coração e calor nas espáduas só<br />

de pens<strong>ar</strong> na mis<strong>é</strong>ria de meu traje, na mis<strong>é</strong>ria e vulg<strong>ar</strong>idade de minha<br />

figura retorcida. Era um m<strong>ar</strong>tírio metódico, uma humilhação incessante e<br />

insuportável, suscitada pelo pensamento, <strong>que</strong> se transformava numa<br />

sensação contínua e direta de <strong>que</strong>, perante os olhos de todo o mundo, eu<br />

era uma mosca, uma mosca vil e <strong>no</strong>jenta — mais inteligente, mais culta e<br />

mais <strong>no</strong>bre <strong>que</strong> todos os demais, <strong>é</strong> cl<strong>ar</strong>o, mas uma mosca <strong>que</strong><br />

incessantemente cedia caminho a todos. Por <strong>que</strong> infligia tal tormento a<br />

mim mesmo, por <strong>que</strong> ia à Nevski, não sei; mas algo me <strong>ar</strong>rastava p<strong>ar</strong>a lá,<br />

sempre <strong>que</strong> era possível.<br />

Quando o Homem do Subterrâneo encontra seu antigo punidor, o oficial de um metro<br />

e oitenta de altura, na multidão, sua humilhação política e social assume um c<strong>ar</strong>áter<br />

mais pessoal:<br />

(...) quando se tratava de pessoas como eu, ou mesmo um pouco melhor,<br />

ele simplesmente as pisava; ia na direção delas, como se tivesse diante de<br />

si um espaço vazio, e jamais cedia caminho. Olhando-o, eu me<br />

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