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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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Eis-me de volta à minha cidade. São estas as minhas velhas lágrimas,<br />

minhas pe<strong>que</strong>nas veias, as glândulas inchadas da infância.<br />

Então estás de volta. Cl<strong>ar</strong>a amplidão. Aspira<br />

o óleo de peixe das lâmpadas ribeirinhas de Leningrado.<br />

Abre os olhos. Conheces esse dia de dezembro,<br />

gema de ovo com o breu terrível batido em si?<br />

Petersburgo! Não <strong>que</strong>ro morrer ainda!<br />

tens o número de meu telefone.<br />

Petersburgo! Gu<strong>ar</strong>do ainda os endereços;<br />

posso consult<strong>ar</strong> a vozes desap<strong>ar</strong>ecidas.<br />

Vivo clandestinamente e o si<strong>no</strong>,<br />

<strong>que</strong> <strong>ar</strong>ranca os nervos e todo o resto, reboa em minhas têmporas.<br />

Espero at<strong>é</strong> amanhã por convidados <strong>que</strong> amo,<br />

e faço retinir as correntes da porta.<br />

Leningrado, dezembro de 1930<br />

Mas os escribas do P<strong>ar</strong>tido na direção do sindicato dos escritores, com o controle não<br />

só dos empregos como das moradias, os fizeram sair, sob a alegação de <strong>que</strong><br />

Mandelstam não era desejado em Leningrado, <strong>que</strong> talvez pertencesse a Moscou, ou a<br />

qual<strong>que</strong>r outra p<strong>ar</strong>te. Isso não impediu <strong>que</strong> Mandelstam fosse atacado em Moscou, nas<br />

páginas do Pravda, num <strong>ar</strong>tigo intitulado “Sombras da Velha Petersburgo”, como típico<br />

es<strong>no</strong>be petersburguense <strong>que</strong> usava linguagem extravagante e era incapaz de reconhecer<br />

as realizações da <strong>no</strong>va ordem socialista.<br />

“Senhor!”, escrevia Mandelstam em O Selo Egípcio. “Não me faças como P<strong>ar</strong><strong>no</strong>k! Dai-<br />

me forças p<strong>ar</strong>a me distinguir dele. Pois eu, tamb<strong>é</strong>m, permaneci em p<strong>é</strong> nessa terrível e<br />

paciente fila <strong>que</strong> se <strong>ar</strong>rasta em direção à janela am<strong>ar</strong>ela da rep<strong>ar</strong>tição. (...) E eu,<br />

tamb<strong>é</strong>m, sou sustentado apenas por Petersburgo.” (V, 171) Não fic<strong>ar</strong>á cl<strong>ar</strong>o de<br />

imediato ao leitor como o autor de Petersburgo deve se diferenci<strong>ar</strong> de seu herói; e<br />

talvez ao próprio Mandelstam não estivesse inteiramente cl<strong>ar</strong>o quando ele o escreveu<br />

em 1928. Mas uma distinção veio à luz cinco a<strong>no</strong>s mais t<strong>ar</strong>de, depois <strong>que</strong> os<br />

Mandelstam foram forçados a deix<strong>ar</strong> Leningrado e volt<strong>ar</strong> a Moscou. Em <strong>no</strong>vembro de<br />

1933, em meio à campanha stalinista de coletivização das terras <strong>que</strong> exigiria quatro<br />

milhões de vidas camponesas, e na iminência do Grande Expurgo <strong>que</strong> lev<strong>ar</strong>ia à morte<br />

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