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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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após s<strong>é</strong>culos de vida claustral, em c<strong>é</strong>lulas isoladas, P<strong>ar</strong>is se tornava um espaço físico e<br />

huma<strong>no</strong> unificado. *<br />

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Os bulev<strong>ar</strong>es de Napoleão e Haussmann cri<strong>ar</strong>am <strong>no</strong>vas bases — econômicas, sociais,<br />

est<strong>é</strong>ticas — p<strong>ar</strong>a reunir um e<strong>no</strong>rme contingente de pessoas. No nível da rua, elas se<br />

enfileiravam em frente a pe<strong>que</strong><strong>no</strong>s negócios e lojas de todos os tipos e, em cada<br />

esquina, restaurantes com terraços e caf<strong>é</strong>s nas calçadas. Esses caf<strong>é</strong>s, como a<strong>que</strong>le<br />

onde os amantes baudelairea<strong>no</strong>s e a família em f<strong>ar</strong>rapos se defront<strong>ar</strong>am, pass<strong>ar</strong>am<br />

logo a ser vistos, em todo o mundo, como símbolos de la vie p<strong>ar</strong>isienne. As calçadas<br />

de Haussmann, como os próprios bulev<strong>ar</strong>es, eram extravagantemente amplas, juncadas<br />

de bancos e luxuriosamente <strong>ar</strong>borizadas. 22 Ilhas p<strong>ar</strong>a pedestres foram instaladas p<strong>ar</strong>a<br />

torn<strong>ar</strong> mais fácil a travessia, sep<strong>ar</strong><strong>ar</strong> o tráfico local do tráfico de longa distância e abrir<br />

vias alternativas p<strong>ar</strong>a as caminhadas. Grandes e majestosas perspectivas foram<br />

desenhadas, com monumentos erigidos <strong>no</strong> extremo dos bulev<strong>ar</strong>es, de modo <strong>que</strong> cada<br />

passeio conduzisse a um clímax dramático. Todas essas c<strong>ar</strong>acterísticas ajud<strong>ar</strong>am a<br />

transform<strong>ar</strong> P<strong>ar</strong>is em um espetáculo p<strong>ar</strong>ticul<strong>ar</strong>mente sedutor, uma festa p<strong>ar</strong>a os olhos<br />

e p<strong>ar</strong>a os sentidos. Cinco gerações de pintores, escritores e fotógrafos moder<strong>no</strong>s (e, um<br />

pouco mais t<strong>ar</strong>de, de cineastas), começando com os impressionistas em 1860, nutrir-<br />

se-iam da vida e da energia <strong>que</strong> escoavam ao longo dos bulev<strong>ar</strong>es. Por volta de 1880,<br />

os padrões de Haussmann foram universalmente aclamados como o verdadeiro modelo<br />

do urbanismo moder<strong>no</strong>. Como tal, logo passou a ser reproduzido em cidades de<br />

crescimento emergente, em todas as p<strong>ar</strong>tes do mundo, de Santiago a Saigon.<br />

O <strong>que</strong> os bulev<strong>ar</strong>es fizeram às pessoas <strong>que</strong> p<strong>ar</strong>a aí acorreram, a fim de ocupá-los?<br />

* Em Classes Operárias e Classes Perigosas, citada na <strong>no</strong>ta 21, Louis Chevalier, o venerável historiador de<br />

P<strong>ar</strong>is, faz um horripilante relato das investidas a <strong>que</strong> foram submetidos os velhos bairros centrais, nas<br />

d<strong>é</strong>cadas anteriores ao projeto Haussmann: explosão demográfica, <strong>que</strong> dobrou a população, enquanto a<br />

edificação de mansões de luxo e pr<strong>é</strong>dios públicos reduzia de maneira drástica o esto<strong>que</strong> de moradias;<br />

crescente desemprego em massa, fato <strong>que</strong>. em uma era anterior ao auxílio governamental, conduzia<br />

diretamente à morte por desnutrição; aterradoras epidemias de tifo e cólera, <strong>que</strong> atingiam sobre<strong>tudo</strong> os<br />

velhos qu<strong>ar</strong>tiers. Tudo isso mostra por <strong>que</strong> os p<strong>ar</strong>isienses pobres, <strong>que</strong> lut<strong>ar</strong>am tão bravamente em tantas<br />

frentes do s<strong>é</strong>culo XIX, não opuseram resistência à destruição dos seus velhos bairros: eles talvez desejassem<br />

p<strong>ar</strong>tir, como diz Baudelaire em outro contexto, p<strong>ar</strong>a qual<strong>que</strong>r lug<strong>ar</strong> longe do seu mundo.<br />

O breve e pouco conhecido ensaio de Robert Moses, tamb<strong>é</strong>m citado na <strong>no</strong>ta 21, oferece p<strong>ar</strong>ticul<strong>ar</strong> atração<br />

p<strong>ar</strong>a a<strong>que</strong>les <strong>que</strong> saboreiam as ironias da história urbana. Na tentativa de apresent<strong>ar</strong> uma lúcida e<br />

equilibrada visão das realizações de Haussmann, Moses se autocoroa como seu sucessor e, de forma<br />

implícita, reivindica p<strong>ar</strong>a si ainda mais autoridade do <strong>que</strong> a<strong>que</strong>la concedida a Haussmann, p<strong>ar</strong>a lev<strong>ar</strong> avante<br />

projetos ainda mais gigantescos, após a guerra. O escrito termina com uma crítica admiravelmente incisiva e<br />

contundente <strong>que</strong> antecipa, com espantosa precisão e fina acuidade, as objeções <strong>que</strong> serão dirigidas contra o próprio<br />

Moses, na d<strong>é</strong>cada seguinte, e <strong>que</strong> por fim ajud<strong>ar</strong>ão a tir<strong>ar</strong> da cena pública os grandes discípulos de Haussmann.<br />

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