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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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c<strong>ar</strong>ruagem ou caminh<strong>ar</strong> sobre pernas de pau”. 25 Com isso, a vida dos bulev<strong>ar</strong>es, mais<br />

radiante e excitante <strong>que</strong> toda a vida urbana do passado, era tamb<strong>é</strong>m mais <strong>ar</strong>riscada e<br />

ameaçadora p<strong>ar</strong>a as multidões de homens e mulheres <strong>que</strong> andavam a p<strong>é</strong>.<br />

É esse, pois, o palco da cena moderna primordial de Baudelaire: “eu cruzava o bulev<strong>ar</strong>,<br />

com muita pressa, chapinhando na lama, em meio ao caos, com a morte galopando na<br />

minha direção, de todos os lados”. O homem moder<strong>no</strong> <strong>ar</strong><strong>que</strong>típico, como o vemos aqui,<br />

<strong>é</strong> o pedestre lançado <strong>no</strong> turbilhão do tráfego da cidade moderna, um homem<br />

sozinho, lutando contra um aglomerado de massa e energia pesadas, velozes e<br />

mortíferas. O borbulhante tráfego da ma e do bulev<strong>ar</strong> não conhece fronteiras<br />

espaciais ou temporais, espalha-se na direção de qual<strong>que</strong>r espaço urba<strong>no</strong>, impõe seu<br />

ritmo ao tempo de todas as pessoas, transforma todo o ambiente moder<strong>no</strong> em “caos”. O<br />

caos aqui não se refere apenas aos passantes — cavaleiros ou condutores, cada qual<br />

procurando abrir o caminho mais eficiente p<strong>ar</strong>a si mesmo — mas à sua interação, à<br />

totalidade de seus movimentos em um espaço comum. Isso faz do bulev<strong>ar</strong> um perfeito<br />

símbolo das contradições interiores do capitalismo: racionalidade em cada unidade<br />

capitalista individualizada, <strong>que</strong> conduz à irracionalidade anárquica do sistema social<br />

<strong>que</strong> mant<strong>é</strong>m agregadas todas essas unidades. *<br />

O homem na rua moderna, lançado nesse turbilhão, se vê remetido aos seus próprios<br />

recursos — freqüentemente recursos <strong>que</strong> ig<strong>no</strong>rava possuir — e forçado a explorá-los de<br />

maneira desesperada, a fim de sobreviver. P<strong>ar</strong>a atravess<strong>ar</strong> o caos, ele precisa est<strong>ar</strong><br />

em sintonia, precisa adapt<strong>ar</strong>-se aos movimentos do caos, precisa aprender não apenas<br />

a pôr-se a salvo dele, mas a est<strong>ar</strong> sempre um passo adiante. Precisa desenvolver sua<br />

habilidade em mat<strong>é</strong>ria de sobressaltos e movimentos bruscos, em viradas e guinadas<br />

súbitas, abruptas e irregul<strong>ar</strong>es — e não apenas com as pernas e o corpo, mas tamb<strong>é</strong>m<br />

com a mente e a sensibilidade.<br />

Baudelaire mostra como a vida na cidade moderna força cada um a realiz<strong>ar</strong> esses <strong>no</strong>vos<br />

movimentos; mas mostra tamb<strong>é</strong>m como, assim procedendo, a cidade moderna<br />

desencadeia <strong>no</strong>vas formas de liberdade. Um homem <strong>que</strong> saiba mover-se dentro, ao<br />

* O tráfego de rua não foi, evidentemente, o único tipo de movimento organizado conhecido <strong>no</strong> s<strong>é</strong>culo XIX. A<br />

ferrovia fez sua ap<strong>ar</strong>ição, em l<strong>ar</strong>ga escala, desde os a<strong>no</strong>s de 1830, e constitui uma presença vital na literatura<br />

europ<strong>é</strong>ia, desde Dombey and Son, de Dickens (1846-48). Mas a ferrovia obedecia a horários rígidos e trafegava<br />

em uma rota preestabelecida; assim, por causa de toda a sua potencialidade demoníaca, tor<strong>no</strong>u-se um dos<br />

p<strong>ar</strong>adigmas da ordem oitocentista.<br />

Deve-se observ<strong>ar</strong> <strong>que</strong> a experiência do “caos”, em Baudelaire, <strong>é</strong> anterior ao advento dos sinais lumi<strong>no</strong>sos de<br />

trânsito, uma invenção desenvolvida <strong>no</strong>s Estados Unidos por volta de 1905, símbolo m<strong>ar</strong>avilhoso das primeiras<br />

tentativas estatais de regul<strong>ar</strong> e racionaliz<strong>ar</strong> o caos do capitalismo.<br />

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