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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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desagradável perder minha insígnia do <strong>que</strong> ter meus ossos <strong>que</strong>brados.<br />

Al<strong>é</strong>m disso, murmurei p<strong>ar</strong>a mim mesmo, toda nuvem tem um forro de<br />

prata. Agora, eu posso and<strong>ar</strong> por aí incógnito, cometer baixezas, dedic<strong>ar</strong>me<br />

a qual<strong>que</strong>r esp<strong>é</strong>cie de atividade crapulosa, como um simples mortal.<br />

Assim, aqui estou, tal como você me vê, tal como você mesmo!<br />

O surpreso interlocutor insiste, um tanto preocupado:<br />

Mas você não vai coloc<strong>ar</strong> um anúncio pelo halo? ou <strong>no</strong>tific<strong>ar</strong> a policia?<br />

Não: o poeta soa triunfante naquilo <strong>que</strong> reconhecemos como uma <strong>no</strong>va<br />

autodefinição:<br />

Que Deus me perdoe! Eu gosto disto aqui. Você <strong>é</strong> o único <strong>que</strong> me<br />

reconheceu. Al<strong>é</strong>m disso, a dignidade me aborrece. Mais ainda, ê divertido<br />

imagin<strong>ar</strong> algum mau poeta apanhando-o e colocando-o<br />

desavergonhadamente na própria cabeça. Que prazer poder fazer algu<strong>é</strong>m<br />

feliz! especialmente algu<strong>é</strong>m de <strong>que</strong>m você pode rir. Pense em X, ou em Z!<br />

Você não percebe como isso vai ser divertido?<br />

É um poema estranho, e podemos sentir-<strong>no</strong>s como o interlocutor surpreso, <strong>que</strong><br />

sabe <strong>que</strong> alguma coisa está acontecendo, mas não sabe exatamente o <strong>que</strong> seja.<br />

Um dos primeiros mist<strong>é</strong>rios aqui <strong>é</strong> o próprio halo. Antes de mais nada, <strong>que</strong> faz ele<br />

sobre a cabeça de um poeta moder<strong>no</strong>? Sua função <strong>é</strong> satiriz<strong>ar</strong> e critic<strong>ar</strong> uma das<br />

crenças mais apaixonadas do próprio Baudelaire: a crença na santidade da <strong>ar</strong>te.<br />

De fato, podemos detect<strong>ar</strong> uma devoção quase religiosa à <strong>ar</strong>te, ao longo de sua<br />

poesia e sua prosa. Assim, <strong>no</strong> texto de 1855, já citado: “O <strong>ar</strong>tista nasce apenas<br />

de si mesmo. (...) A única segurança <strong>que</strong> ele estabelece <strong>é</strong> p<strong>ar</strong>a si mesmo. (...)<br />

Ele morre sem deix<strong>ar</strong> filhos, tendo sido seu próprio rei, seu próprio sacerdote, seu<br />

próprio Deus”. 23 “A Perda do Halo” trata da <strong>que</strong>da do próprio Deus de Baudelaire.<br />

Por<strong>é</strong>m, <strong>é</strong> preciso lembr<strong>ar</strong> <strong>que</strong> esse Deus <strong>é</strong><br />

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cultuado não só por <strong>ar</strong>tistas mas igualmente por “homens comuns”, crentes de <strong>que</strong> a<br />

<strong>ar</strong>te e os <strong>ar</strong>tistas existem em um pla<strong>no</strong> muito acima deles. “A Perda do Halo” se dá em<br />

um ponto p<strong>ar</strong>a o qual convergem o mundo da <strong>ar</strong>te e o mundo comum. E não se trata de<br />

um ponto apenas espiritual, mas físico, um determinado ponto na paisagem da cidade<br />

moderna. É o ponto em <strong>que</strong> a história da modernização e a história do modernismo se<br />

fundem em um só.<br />

Walter Benjamin p<strong>ar</strong>ece ter sido o primeiro a sugerir as profundas afinidades entre<br />

Baudelaire e M<strong>ar</strong>x. Embora Benjamin não faça explicitamente essa conexão, leitores<br />

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