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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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forma quase c<strong>ar</strong>inhosa, sobre a bomba como se ela fosse humana: “Ela estava,<br />

como direi?, morta. Girei a chaveta — e, você sabe, ela at<strong>é</strong> começou a soluç<strong>ar</strong>,<br />

juro, camo um corpo sendo acordado. (...) Vi uma expressão em seu rosto. (...)<br />

Ousou dizer-me alguma coisa”. Finalmente, ele confessa extasiado, “eu me<br />

tornei a bomba, havia um ti<strong>que</strong>ta<strong>que</strong>ado em minha b<strong>ar</strong>riga”. Este lirismo biz<strong>ar</strong>ro<br />

choca o leitor e o leva a pens<strong>ar</strong> na sanidade de Nikolai. P<strong>ar</strong>a Dudkin, entretanto,<br />

o monólogo de Nikolai tem um fascínio fatal: <strong>é</strong> outro pânta<strong>no</strong> imaginário <strong>no</strong> qual<br />

pode afund<strong>ar</strong>-se, lav<strong>ar</strong>-se do terror <strong>que</strong> dele se apossa. Os dois homens dão<br />

início a um fluxo de consciência e livre associação sobre seu assunto favorito — e<br />

maior ponto em comum — o sentimento de desespero existencial. Nikolai faz um<br />

interminável (e inadvertidamente hil<strong>ar</strong>iante) relato de suas sensações do nada:<br />

“Em lug<strong>ar</strong> de órgãos dos sentidos havia um zero. Eu tinha conciência de alguma<br />

coisa <strong>que</strong> não era nem um zero, mas um zero me<strong>no</strong>s alguma coisa, digamos, por<br />

exemplo, cinco”. Dudkin atua como uma combinação de sábio metafísico e<br />

psicanalista, dirigindo Nikolai tanto p<strong>ar</strong>a várias teorias metafísicas como p<strong>ar</strong>a<br />

p<strong>ar</strong>ticul<strong>ar</strong>idades de sua infância. Após várias páginas desse teor, ambas as<br />

p<strong>ar</strong>tes estão perdidas e felizes como ap<strong>ar</strong>entemente <strong>que</strong>rem est<strong>ar</strong>.<br />

Finalmente, por<strong>é</strong>m, Dudkin consegue erguer-se do pânta<strong>no</strong> <strong>que</strong> comp<strong>ar</strong>tilham e<br />

procura coloc<strong>ar</strong> as efusões líricas de desespero de Nikolai sob alguma forma de<br />

perspectiva:<br />

“Nikolai Apollo<strong>no</strong>vich, você tem se debruçado sobre seu Kant num qu<strong>ar</strong>to<br />

fechado e sem <strong>ar</strong>. Você foi batido por uma borrasca. Pôs-se a escutá-la<br />

atentamente e o <strong>que</strong> nela ouviu <strong>é</strong> você mesmo. De todo modo, seus<br />

estados de espírito foram descritos e são tema de observação.”<br />

“Onde, onde?”<br />

“Na ficção, na poesia, na psiquiatria, na pesquisa do oculto.”<br />

Alexander Iva<strong>no</strong>vich sorriu diante da ig<strong>no</strong>rância dessa escolástica<br />

mentalmente desenvolvida, e ele continuou.<br />

Neste ponto, Dudkin adianta um comentário extremamente importante, <strong>que</strong><br />

pode se perder com facilidade em meio à pirotecnia retórica e intelectual, mas<br />

<strong>que</strong> ilumina a estrat<strong>é</strong>gia e o significado gerais de Petersburgo e sugere o ponto<br />

de vista último de Bieli sobre o <strong>que</strong> deveriam ser a literatura e o pensamento<br />

moder<strong>no</strong>. Dudkin diz:<br />

250<br />

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