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tudo que é sólido desmancha no ar - Comunicação, Esporte e Cultura

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aquilo <strong>que</strong> o manifesto À Geração mais Jovem, lançado na Nevski por a<strong>que</strong>le<br />

cavaleiro misterioso, tent<strong>ar</strong>a lhe dizer: a c<strong>ar</strong>ta de servidão foi revogada, mas,<br />

mesmo na Nevski, a realidade da casta ainda impera.<br />

Con<strong>tudo</strong>, mesmo quando fere o funcionário pobre, a Nevski serve como o meio<br />

atrav<strong>é</strong>s do qual essa ferida pode ser curada; mesmo quando o desumaniza —<br />

reduzindo-o a uma enguia, a uma mosca, a um espaço vazio —, ela lhe dá os<br />

meios p<strong>ar</strong>a se transform<strong>ar</strong> em homem, um homem moder<strong>no</strong> com liberdade,<br />

dignidade e direitos iguais. Ao observ<strong>ar</strong> seu punidor em ação na Nevski, o<br />

Homem do Subterrâneo <strong>no</strong>ta algo surpreendente: embora não ceda lug<strong>ar</strong> às<br />

pessoas de posição inferior à sua, o oficial “tamb<strong>é</strong>m se desviava ante os generais<br />

e outras pessoas de alta posição, e tamb<strong>é</strong>m se esgueirava por entre eles como<br />

uma enguia”. É uma descoberta <strong>no</strong>tável — e revolucionária. “Ele tamb<strong>é</strong>m se<br />

desviava.” Então o oficial não <strong>é</strong> o ser semidemoníaco, semi-<br />

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divi<strong>no</strong> <strong>que</strong> assombra a imaginação do funcionário, mas um ser huma<strong>no</strong> vulnerável<br />

e limitado como ele, igualmente sujeito às pressões de casta e <strong>no</strong>rmas sociais. Se<br />

o oficial <strong>é</strong> tamb<strong>é</strong>m passível de ser reduzido a uma enguia, então talvez o fosso<br />

entre eles não seja, afinal, tão vasto; e, então — pela primeira vez — o Homem<br />

do Subterrâneo pensa o impensável.<br />

E eis <strong>que</strong> me veio de chofre um pensamento surpreendente! “Que tal” —<br />

pensei — “se me encontr<strong>ar</strong> com ele e (...) não ceder passagem? Que tal<br />

eu não ceder passagem intencionalmente, ainda <strong>que</strong> seja preciso choc<strong>ar</strong>me<br />

com ele? Que aconteceria?” Essa id<strong>é</strong>ia atrevida apossou-se de mim<br />

pouco a pouco, a tal ponto <strong>que</strong> não me deu mais sossego. Eu sonhava<br />

com isso incessantemente.<br />

Agora a rua adquire uma <strong>no</strong>va perspectiva: “Propositalmente comecei a ir com<br />

mais freqüência à Nevski p<strong>ar</strong>a represent<strong>ar</strong> p<strong>ar</strong>a mim próprio, com maior nitidez<br />

ainda, como haveria de fazer aquilo”. Agora <strong>que</strong> ele se concebe como um sujeito<br />

ativo, a Nevski se torna um meio p<strong>ar</strong>a uma rede de <strong>no</strong>vos significados, um teatro<br />

de operações p<strong>ar</strong>a o eu. O homem do Subterrâneo começa a planej<strong>ar</strong> sua ação.<br />

Seu projeto se modifica gradualmente:<br />

“Está cl<strong>ar</strong>o <strong>que</strong> não devo propriamente d<strong>ar</strong>-lhe um empurrão” — pensava<br />

em minha alegria. “Eu simplesmente não vou ceder caminho; vou choc<strong>ar</strong>me<br />

com ele, não de modo muito doloroso, mas apenas ombro a ombro, na<br />

exata medida <strong>que</strong> a decência permite. Vou esb<strong>ar</strong>r<strong>ar</strong> nele com a mesma<br />

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