Revista da FAEEBA Educação e Contemporaneidade - Uneb
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O teatro-educação enquanto componente curricular no meio rural: uma experiência na escola comunitária Brilho do Cristal<br />
lhar com construção coletiva a partir de um<br />
tema. As crianças escolhiam um tema, normalmente<br />
entre os que estavam sendo trabalhados<br />
com o professor <strong>da</strong>s outras disciplinas. Na semana<br />
<strong>da</strong> higiene, por exemplo, como um grupo<br />
de alunos estava pesquisando sobre o piolho, as<br />
crianças criaram o esquete 6 Piolho para que<br />
te quero.<br />
O processo de construção dos esquetes se<br />
<strong>da</strong>va de maneira interativa. De início, eles exploravam<br />
o tema espontaneamente, brincavam<br />
livremente com os bonecos, passeavam pela sala,<br />
buscavam interações com outros bonecos e inventavam<br />
estórias. No momento em que os personagens<br />
já estavam definidos entre eles, a estória<br />
estava fluindo bem, organizávamos nossa apresentação.<br />
Normalmente tínhamos uns dois ou três<br />
elencos para ca<strong>da</strong> estória, formando uma platéia<br />
bem receptiva com as crianças que não estavam<br />
apresentando. Quando nossa construção<br />
dramatúrgica oral já estava tomando forma, partíamos<br />
para escrever um roteiro <strong>da</strong> estória que<br />
estávamos improvisando. Mais tarde, após a exploração<br />
do roteiro, as crianças maiores escreviam<br />
os diálogos, o texto.<br />
A existência de um texto ou de um tema<br />
como referência estimulava a improvisação. A<br />
improvisação no momento <strong>da</strong> ação cênica deixava<br />
as crianças mais à vontade. Seu universo<br />
fluía continuamente. Lembro que ouvi uma criança<br />
incentivando a outra, falando assim: vamos,<br />
a gente inventa a estória na hora...<br />
Com a turma multisseria<strong>da</strong> <strong>da</strong> 3ª e 4ª série<br />
trabalhamos com o Teatro convencional, com<br />
construções coletivas a partir de a<strong>da</strong>ptação de<br />
estórias que eles escolhiam para ler. Inicialmente<br />
os textos eram bem pequenos, mas para eles<br />
já eram enormes, extremamente significativos<br />
e desafiadores. As maiores dificul<strong>da</strong>des se <strong>da</strong>vam<br />
em relação à respiração, voz e movimento<br />
corporal. Ativi<strong>da</strong>des como pular, <strong>da</strong>nçar, requebrar,<br />
entre outras, eram desafiadoras de seus<br />
limites corporais. Persistindo nas brincadeiras<br />
corporais, elas foram se soltando.<br />
Não podemos separar o fazer teatral <strong>da</strong> apresentação;<br />
quando se fala em Teatro se pensa<br />
em apresentar. Dessa forma, as crianças sempre<br />
estavam perguntando: quando a gente vai<br />
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apresentar? Para que as crianças melhor entendessem<br />
o lugar <strong>da</strong> platéia, esse ente para<br />
quem elas iriam apresentar, procurava trabalhar<br />
também com jogos cujos objetivos eram<br />
exercitar o ator e a platéia. Penso que um dos<br />
maiores incentivos do fazer Teatro na escola<br />
foi o exercício de apresentar e assistir. Nossas<br />
construções cênicas saiam de dentro <strong>da</strong> sala e<br />
iam para a varan<strong>da</strong> para serem assisti<strong>da</strong>s pelos<br />
colegas. Apresentar o Teatro significava também<br />
um exercício de formação de platéia. A<br />
formação de platéia não é só importante para<br />
formar leitores estéticos, mas, antes de tudo,<br />
por ser elemento constituinte do Teatro.<br />
A platéia é o membro mais reverenciado do Teatro.<br />
Sem platéia não há Teatro. Ca<strong>da</strong> técnica<br />
aprendi<strong>da</strong> pelo ator, ca<strong>da</strong> cortina e plataforma<br />
no palco, ca<strong>da</strong> análise feita cui<strong>da</strong>dosamente pelo<br />
diretor, ca<strong>da</strong> cena coordena<strong>da</strong> é para o deleite <strong>da</strong><br />
platéia. Eles são nossos convi<strong>da</strong>dos, nossos<br />
avaliadores e o último elemento na ro<strong>da</strong> que pode<br />
então começar a girar. Ela dá significado ao espetáculo.<br />
(SPOLIN; 1992, p.11)<br />
Do desejo de apresentar o espetáculo nasce<br />
a platéia. E a platéia, por sua vez, se alimenta<br />
do espetáculo assistido, sem o espetáculo ela<br />
também não existiria. Nessa relação interativa<br />
realiza-se o processo de conhecimento e autoconhecimento.<br />
Acreditamos também que, a<br />
partir <strong>da</strong> apreciação, podemos despertar identi<strong>da</strong>des<br />
em relação ao fazer teatral, por exemplo:<br />
logo após as crianças <strong>da</strong> 1ª e 2ª série<br />
assistirem o Teatro do grupo <strong>da</strong> 3ª e 4ª série<br />
vieram falar que também queriam fazer Teatro<br />
de gente, não só Teatro de boneco. Por outro<br />
lado, as crianças <strong>da</strong> multisseria<strong>da</strong> <strong>da</strong> 3º e 4º série<br />
resolveram também fazer Teatro de Bonecos.<br />
No final, bonecos e crianças se revezavam no<br />
palco.<br />
Não incentivávamos a criança pequena apresentar<br />
seus jogos dramáticos, pois queríamos<br />
evitar seu constrangimento. Porém, elas pediam<br />
para apresentar, com certeza, por termos a<br />
cultura teatral muito presente na escola. Como<br />
buscávamos valorizar as vozes dos sujeitos envolvidos,<br />
procuramos dialogar com as crianças,<br />
6 Esquete: nome <strong>da</strong>do a um pequeno texto teatral.<br />
<strong>Revista</strong> <strong>da</strong> <strong>FAEEBA</strong> – <strong>Educação</strong> e Contemporanei<strong>da</strong>de, Salvador, v. 15, n. 25, p. 99-115, jan./jun., 2006